Assisti, com muita atenção, à entrevista coletiva do
ex-juiz e ex-ministro da Justiça, Sérgio Moro. A sua fala é reveladora de
muitas coisas. Que bom que não saiu sem explicar os reais motivos! Algumas
questões ficaram evidentes, pois o ex-ministro foi claro, objetivo, conciso e
perspicaz. Vamos aos pontos principais da entrevista, para concluirmos algumas
coisas.
1. Ao citar a presidente Dilma, o ex-ministro disse que no
governo desta não havia interferência política na Polícia Federal (PF). De
fato, os governos petistas tiveram muitas falhas, mas não impediram que a
Polícia Federal fizesse o seu trabalho de investigar os crimes, inclusive os
crimes cometidos por membros do governo.
Bolsonaro deixou claro para o ex-ministro que deseja um
diretor-geral e superintendentes da PF totalmente submissos. E disse também que
deseja receber relatórios de inteligência do trabalho investigativo da PF. Esta
pretensão é criminosa. As investigações são sigilosas, e a PF não pode
compartilhar os relatórios de suas investigações com o Presidente da República.
O presidente deveria ser punido por esta pretensão. Isso sequer poderia ser
ventilado.
2. Cargos da PF devem ser preenchidos por pessoal de
carreira na PF, e que apresentem, tecnicamente, competência para o ofício. O
presidente não aceita isso. Ele quer transformar a PF numa polícia do
presidente da República, mantendo, assim, total controle. Neste sentido, o
ministro da Justiça e o diretor-geral da PF seriam apenas fantoches do
presidente.
Nunca na história da PF um presidente da República atuou
para transformá-la numa polícia ineficiente e sujeita aos caprichos do
presidente da República como temos visto agora. Esta interferência política
mostra a fragilidade moral do presidente, que teme ser desmascarado, juntamente
com um de seus filhos, que está sendo investigado pela Polícia Federal. Está
evidente que o presidente está querendo acabar com a investigação, pois o STF
não as barrou, nem mandou arquivá-las.
3. O ex-ministro pensou que quando o presidente falou em
"carta branca" para nomear, formar equipe e exonerar de cargos na PF,
o presidente estava sendo verdadeiro. Enganou-se e frustrou-se. "Carta branca"
a um ministro da Justiça é para quem não teme investigações. Não é o caso do
presidente.
Milhões de brasileiros elegeram um presidente pouco afeito
ao diálogo, à transparência e à probidade. Já durante a campanha eleitoral esta
situação estava evidente. Não enxergou quem não quis.
4. Bolsonaro escolheu o juiz que julgou e condenou o seu
adversário político, o ex-presidente Lula. A mídia transformou o ex-juiz Moro
em um herói nacional. O presidente se apoiou na fama do ex-juiz para passar a
ideia de que era comprometido com a ética e a transparência. Milhões de
brasileiros acreditaram nesse discurso falacioso.
O ex-juiz se aproveitou da situação, e ficou feliz, porque,
além do cargo de ministro da Justiça, recebeu do presidente a promessa de que
se tornaria ministro do STF. O ex-juiz desconsiderou o tom autoritário do
candidato e presidente eleito, e este pensou que poderia fazer com aquele o que
está fazendo com todos os demais ministros: mantê-lo sob controle, ditando as
regras, sem diálogo nem entendimento. Ambos se deram mal.
O ex-juiz agora arca com as consequências de sua escolha: A
de ter deixado a magistratura após 22 anos de serviço. Agora, restaram-lhe
poucas coisas: Não é mais juiz, nem ministro, e tudo indica que não será
indicado para compor o STF como ministro. O ex-presidente Lula deve ter ficado
de "alma lavada" hoje. O ex-juiz deve ter aprendido a lição. Ou não.
5. O fato de ter convocado uma entrevista para comunicar a
sua saída do governo, indica que o ex-juiz não sairá da cena política tão cedo.
Desde a sua atuação na magistratura, tem se mostrado um homem político, no
sentido partidário do termo. Todos sabemos da sua identificação com políticos
do PSDB. Como juiz, não tinha nenhuma vergonha de aparecer ao lado de
políticos, demonstrando proximidade e amizade. Muitos juízes no Brasil fazem
isto, explicitando a falta do que a lei processual chama de imparcialidade do
juiz.
Considerando que o ex-juiz não é um homem ingênuo, mas
conhecedor do estilo brasileiro de fazer política, a sua passagem pelo
Ministério da Justiça foi a segunda fase de preparação para uma futura
candidatura, seja para governador, deputado, senador ou presidente. A primeira
fase consistiu na fama que conseguiu fazer, auxiliado pela mídia
(principalmente a Rede Globo), sobre a condenação e prisão do ex-presidente
Lula. Muita gente iludida ainda o tem como herói, e isso o ajudará nos próximos
capítulos da vergonhosa história política brasileira.
6. Não é difícil de imaginar a sucessão do ex-ministro Moro
e do diretor-geral da PF. O presidente não está preocupado com a repercussão
negativa destas demissões. A sua preocupação é com as investigações que estão sendo
feitas para apurar os crimes supostamente cometidos por seu filho. Por isso,
vai continuar usando o poder que tem, não para combater o coronavírus, o
desemprego e tantos outros males, mas para proteger a si, aos filhos e seus
colaboradores mais próximos. Qualquer pessoa que tem o mínimo de bom senso
percebe e admite isso.
Na entrevista, o ex-juiz falou que o presidente anda
preocupado com inquéritos (investigações) em curso no STF. Isso mostra,
claramente, que vai escolher um ministro e um diretor-geral da PF que atuem
para impedir que estas investigações sejam aprofundadas. Neste sentido, o
discurso anticorrupção do presidente é mentiroso, e só acredita nele os que o
idolatram como o salvador da pátria. Os alienados já devem está demonizando o
ex-juiz, chamando-o de "comunista" ou "esquerdista", ou
algo do gênero. Pessoas alienadas não enxergam a realidade, mas vivem presas ao
seu mundo imaginário. Vivem na ilusão.
Não é impossível que mais um general do exército ocupe o
cargo de ministro, ou de diretor-geral da PF. Caso os nomes não saiam das
Forças Armadas, certamente sairá do Congresso Nacional, da base aliada do
governo. O fato é que o presidente não gosta de nomes puramente técnicos. Seus
28 anos de Câmara dos deputados ensinaram que tudo tem que passar pela
politicagem, e esta prática que caracteriza a velha política é como que o
sangue que corre nas veias do presidente, seus filhos e correligionários. Suas
palavras e gestos provam isso.
7. Por fim, resta constatar a realidade: O presidente comprova
mais uma vez o seu espírito nada democrático, mas autoritário. As demissões
revelam autoblindagem. Não se sabe até quando o Parlamento e as demais
instituições irão assistir, passivamente e de forma omissa, a esta
desmoralização política.
Há elementos suficientes para se iniciar o processo de
impeachment do presidente. O impeachment é um processo jurídico que põe fim ao
cometimento de crimes de responsabilidade. O presidente, no regime democrático
de direito, não pode fazer o que quer. Há limites constitucionais e legais para
a sua atuação. Na democracia, não temos reis, mas presidentes que devem cumprir
a Constituição. Muitos pedidos de impeachment estão sendo apresentados à Câmara
dos deputados, cabe ao presidente desta tomar a decisão de acatar e dar o
devido prosseguimento. Um dos ministros do STF já pediu que o presidente da
Câmara se manifeste sobre os pedidos.
Esta situação envergonha o país perante o mundo: Mostra que
o Brasil continua sendo dominado pela velha política, que provoca atraso e mortes.
Em plena pandemia do coronavírus, o presidente age, irresponsavelmente, numa
demonstração clara e debochada de que não está nem aí para o que realmente
importa neste momento: Salvar o país do caos. Este, infelizmente, já está bem
encaminhado. E agora, José?...
Tiago
de França
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