sexta-feira, 24 de abril de 2020

A queda do ministro Sérgio Moro


Assisti, com muita atenção, à entrevista coletiva do ex-juiz e ex-ministro da Justiça, Sérgio Moro. A sua fala é reveladora de muitas coisas. Que bom que não saiu sem explicar os reais motivos! Algumas questões ficaram evidentes, pois o ex-ministro foi claro, objetivo, conciso e perspicaz. Vamos aos pontos principais da entrevista, para concluirmos algumas coisas.
1. Ao citar a presidente Dilma, o ex-ministro disse que no governo desta não havia interferência política na Polícia Federal (PF). De fato, os governos petistas tiveram muitas falhas, mas não impediram que a Polícia Federal fizesse o seu trabalho de investigar os crimes, inclusive os crimes cometidos por membros do governo.
Bolsonaro deixou claro para o ex-ministro que deseja um diretor-geral e superintendentes da PF totalmente submissos. E disse também que deseja receber relatórios de inteligência do trabalho investigativo da PF. Esta pretensão é criminosa. As investigações são sigilosas, e a PF não pode compartilhar os relatórios de suas investigações com o Presidente da República. O presidente deveria ser punido por esta pretensão. Isso sequer poderia ser ventilado.
2. Cargos da PF devem ser preenchidos por pessoal de carreira na PF, e que apresentem, tecnicamente, competência para o ofício. O presidente não aceita isso. Ele quer transformar a PF numa polícia do presidente da República, mantendo, assim, total controle. Neste sentido, o ministro da Justiça e o diretor-geral da PF seriam apenas fantoches do presidente.
Nunca na história da PF um presidente da República atuou para transformá-la numa polícia ineficiente e sujeita aos caprichos do presidente da República como temos visto agora. Esta interferência política mostra a fragilidade moral do presidente, que teme ser desmascarado, juntamente com um de seus filhos, que está sendo investigado pela Polícia Federal. Está evidente que o presidente está querendo acabar com a investigação, pois o STF não as barrou, nem mandou arquivá-las.
3. O ex-ministro pensou que quando o presidente falou em "carta branca" para nomear, formar equipe e exonerar de cargos na PF, o presidente estava sendo verdadeiro. Enganou-se e frustrou-se. "Carta branca" a um ministro da Justiça é para quem não teme investigações. Não é o caso do presidente.
Milhões de brasileiros elegeram um presidente pouco afeito ao diálogo, à transparência e à probidade. Já durante a campanha eleitoral esta situação estava evidente. Não enxergou quem não quis.
4. Bolsonaro escolheu o juiz que julgou e condenou o seu adversário político, o ex-presidente Lula. A mídia transformou o ex-juiz Moro em um herói nacional. O presidente se apoiou na fama do ex-juiz para passar a ideia de que era comprometido com a ética e a transparência. Milhões de brasileiros acreditaram nesse discurso falacioso.
O ex-juiz se aproveitou da situação, e ficou feliz, porque, além do cargo de ministro da Justiça, recebeu do presidente a promessa de que se tornaria ministro do STF. O ex-juiz desconsiderou o tom autoritário do candidato e presidente eleito, e este pensou que poderia fazer com aquele o que está fazendo com todos os demais ministros: mantê-lo sob controle, ditando as regras, sem diálogo nem entendimento. Ambos se deram mal.
O ex-juiz agora arca com as consequências de sua escolha: A de ter deixado a magistratura após 22 anos de serviço. Agora, restaram-lhe poucas coisas: Não é mais juiz, nem ministro, e tudo indica que não será indicado para compor o STF como ministro. O ex-presidente Lula deve ter ficado de "alma lavada" hoje. O ex-juiz deve ter aprendido a lição. Ou não.
5. O fato de ter convocado uma entrevista para comunicar a sua saída do governo, indica que o ex-juiz não sairá da cena política tão cedo. Desde a sua atuação na magistratura, tem se mostrado um homem político, no sentido partidário do termo. Todos sabemos da sua identificação com políticos do PSDB. Como juiz, não tinha nenhuma vergonha de aparecer ao lado de políticos, demonstrando proximidade e amizade. Muitos juízes no Brasil fazem isto, explicitando a falta do que a lei processual chama de imparcialidade do juiz.
Considerando que o ex-juiz não é um homem ingênuo, mas conhecedor do estilo brasileiro de fazer política, a sua passagem pelo Ministério da Justiça foi a segunda fase de preparação para uma futura candidatura, seja para governador, deputado, senador ou presidente. A primeira fase consistiu na fama que conseguiu fazer, auxiliado pela mídia (principalmente a Rede Globo), sobre a condenação e prisão do ex-presidente Lula. Muita gente iludida ainda o tem como herói, e isso o ajudará nos próximos capítulos da vergonhosa história política brasileira.
6. Não é difícil de imaginar a sucessão do ex-ministro Moro e do diretor-geral da PF. O presidente não está preocupado com a repercussão negativa destas demissões. A sua preocupação é com as investigações que estão sendo feitas para apurar os crimes supostamente cometidos por seu filho. Por isso, vai continuar usando o poder que tem, não para combater o coronavírus, o desemprego e tantos outros males, mas para proteger a si, aos filhos e seus colaboradores mais próximos. Qualquer pessoa que tem o mínimo de bom senso percebe e admite isso.
Na entrevista, o ex-juiz falou que o presidente anda preocupado com inquéritos (investigações) em curso no STF. Isso mostra, claramente, que vai escolher um ministro e um diretor-geral da PF que atuem para impedir que estas investigações sejam aprofundadas. Neste sentido, o discurso anticorrupção do presidente é mentiroso, e só acredita nele os que o idolatram como o salvador da pátria. Os alienados já devem está demonizando o ex-juiz, chamando-o de "comunista" ou "esquerdista", ou algo do gênero. Pessoas alienadas não enxergam a realidade, mas vivem presas ao seu mundo imaginário. Vivem na ilusão.
Não é impossível que mais um general do exército ocupe o cargo de ministro, ou de diretor-geral da PF. Caso os nomes não saiam das Forças Armadas, certamente sairá do Congresso Nacional, da base aliada do governo. O fato é que o presidente não gosta de nomes puramente técnicos. Seus 28 anos de Câmara dos deputados ensinaram que tudo tem que passar pela politicagem, e esta prática que caracteriza a velha política é como que o sangue que corre nas veias do presidente, seus filhos e correligionários. Suas palavras e gestos provam isso.
7. Por fim, resta constatar a realidade: O presidente comprova mais uma vez o seu espírito nada democrático, mas autoritário. As demissões revelam autoblindagem. Não se sabe até quando o Parlamento e as demais instituições irão assistir, passivamente e de forma omissa, a esta desmoralização política.
Há elementos suficientes para se iniciar o processo de impeachment do presidente. O impeachment é um processo jurídico que põe fim ao cometimento de crimes de responsabilidade. O presidente, no regime democrático de direito, não pode fazer o que quer. Há limites constitucionais e legais para a sua atuação. Na democracia, não temos reis, mas presidentes que devem cumprir a Constituição. Muitos pedidos de impeachment estão sendo apresentados à Câmara dos deputados, cabe ao presidente desta tomar a decisão de acatar e dar o devido prosseguimento. Um dos ministros do STF já pediu que o presidente da Câmara se manifeste sobre os pedidos.
Esta situação envergonha o país perante o mundo: Mostra que o Brasil continua sendo dominado pela velha política, que provoca atraso e mortes. Em plena pandemia do coronavírus, o presidente age, irresponsavelmente, numa demonstração clara e debochada de que não está nem aí para o que realmente importa neste momento: Salvar o país do caos. Este, infelizmente, já está bem encaminhado. E agora, José?...

Tiago de França

Nenhum comentário: