sábado, 25 de abril de 2020

Fica conosco


“Fica conosco, pois já é tarde e a noite vem chegando!” (Lc 24,29)
            O trecho evangélico para nossa meditação é o de Lucas 24,13-35. Trata-se de um texto rico em detalhes, que muito nos ensina. Não queremos explorar o sentido de todos os pormenores, mas fazer uma breve meditação de alguns pontos que podem nos ajudar nestes tempos de pandemia do coronavírus. Jesus, ressuscitado dentre os mortos, nos fala. A sua palavra nos reanima na caminhada da vida.
            O texto fala que dois dos discípulos de Jesus saíram de Jerusalém e se dirigiram a um povoado chamado Emaús. Eles conversavam sobre os acontecimentos dos últimos dias: paixão e morte de Jesus. Certamente, estavam profundamente tristes e frustrados, pois esperavam que Jesus fosse o libertador de Israel.
            Jesus se aproximou “e começou a caminhar com eles”, mas não o reconheceram, porque, segundo o evangelista, “estavam como que cegos”. Coitados, estavam afetados pela tristeza, frustração, abatimento... Jesus se interessa pela conversa deles, e pergunta sobre o assunto.
            Aqui já temos um ponto importante: Jesus se aproxima, caminha conosco e se interessa por nossa situação. Ele sabia a situação daqueles seus dois discípulos, assim como sabe da nossa situação. Vivemos caminhando na vida, e ele sabe dos nossos caminhos. Por onde e para onde caminhamos?... Em nossa caminhada, sobre o que estamos conversando?... Cada pessoa é chamada a responder a estas questões, considerando que Jesus quer caminhar conosco e participar da nossa vida.
            Não basta saber disso. Saber é importante, mas não resolve tudo. O saber esclarece; é como que a luz da lanterna. Mas para que serve a lanterna? Certamente, para iluminar e dissipar a escuridão do caminho. Jesus quer nos falar, e sua palavra dissipa as trevas da nossa ignorância. Ele abre a nossa inteligência para as coisas de Deus, conferindo-nos a visão de Deus e da sua vontade.
            Quem permite a companhia de Jesus nos caminhos da vida faz a experiência da cura da cegueira e da tristeza. As dificuldades da vida provocam abatimento. Muitas vezes, parece que fomos vencidos pelo desânimo. Mas se temos fé naquele que caminha conosco, que está presente e se interessa por nossas histórias pessoais e coletivas, então recuperamos o ânimo. Nossas histórias são preenchidas por alegrias e esperanças, tristezas e desilusões... Em tudo isso, Jesus vai nos falando, vai nos despertando.
            Aos dois discípulos, quando chama a atenção para a falta de inteligência e lentidão deles, Jesus diz: “Será que o Cristo não devia sofrer tudo isso para entrar na sua glória?” Claro que Jesus não está dizendo que o sofrimento pelo sofrimento é algo necessário. Ele não está falando de qualquer sofrimento, mas do seu sofrimento redentor. O seguidor de Jesus, que caminha com ele, também sofre porque aderiu ao mesmo projeto redentor de Jesus. Jesus não sofreu porque tinha que sofrer, mas porque foi fiel ao seu Pai e nosso Deus. Seu sofrimento foi manifestação de amor, pura doação para a salvação da humanidade.
            Assim, os que sofrem são chamados a se unir à paixão e morte de Jesus na cruz. Este é o caminho que conduz à ressurreição. Esta é a manifestação do poder e da glória de Deus. Todos sofremos. Uns sofrem mais, outros menos. O sofrimento faz parte da vida. São inúmeras as causas. A gente pode tornar a vida mais sofrida, quando queremos satisfazer os nossos desejos, nossa raiva, ódio e vingança, nossas ambições desmedidas, nossa vontade de fazer o mal aos outros etc.
            Uma prece importante é a de pedirmos a Deus que tranquilize nossos sentimentos agitados, fazendo-nos ter os mesmos sentimentos de Jesus Cristo. A vida, por mais difícil que seja, tem a sua leveza. Se pararmos para meditar sobre o sofrimento que nos aflige, sintonizando-nos com o sofrimento de Jesus na cruz, certamente nos sentiremos confortados. Da cruz de Jesus, banhada de sangue, não brota o desespero, mas esperança e paz. Na cruz, Jesus nos ensinou que é possível amar e perdoar. Carregando nossas cruzes também podemos experimentar o amor, o perdão, a paz e a mansidão.
            O texto também fala que após ter explicado para eles as passagens da Escritura que falavam a seu respeito, Jesus fez de conta que iria tomar outra direção, acelerando o passo. Mas eles pronunciam um belo convite: “Fica conosco, pois já é tarde e a noite vem chegando!” Este convite precisa ser também nosso: Convidar Jesus para caminhar conosco. A noite vem chegando, e muitas vezes falta luz. Sem esta ficamos no escuro e sem visão das coisas. Quem gosta do escuro? Nascemos para a luz. Durante a noite, não nos dedicamos a vagar na escuridão. Não somos seres noturnos. Não nascemos para as trevas.
           E o texto acrescenta que Jesus entrou “para ficar com eles”. Jesus quer permanecer. Isto nos fala de uma fidelidade na presença. Ele não abandona os seus discípulos na tristeza e na frustração. De modo algum! E com eles reparte o pão. E no partir o pão, eles o reconheceram. Quanta alegria! Eles falam que seus corações ardiam enquanto escutavam Jesus explicar as Escrituras. Precisamos sentir essa ardência no coração. As palavras de Jesus têm esse poder: Fazem arder o coração. São palavras que despertam força, ânimo, coragem, esperança, paz, desejo de viver a fraternidade, caminhando na presença de Deus.
             O texto termina dizendo que os discípulos reconheceram Jesus “ao partir o pão”. Partir o pão não é experiência que se vive na solidão, mas na comunhão. Na liturgia, o pão é repartido e o próprio Cristo se oferece a cada pessoa disposta a recebê-lo. É um gesto que se multiplica no cotidiano de nossas vidas, quando vivemos a comunhão fraterna. É vivendo esta comunhão que reconhecemos Jesus hoje. Nestes tempos difíceis de pandemia e de crise política, como estamos vivendo a comunhão fraterna? Estamos reconhecendo Jesus na partilha do pão, ou ele continua sendo um desconhecido, porque insistimos em nossa mesquinhez e egoísmo?...

Tiago de França

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