“Fica conosco, pois já é tarde
e a noite vem chegando!” (Lc 24,29)
O trecho evangélico para nossa
meditação é o de Lucas 24,13-35. Trata-se de um texto rico em detalhes, que
muito nos ensina. Não queremos explorar o sentido de todos os pormenores, mas
fazer uma breve meditação de alguns pontos que podem nos ajudar nestes tempos
de pandemia do coronavírus. Jesus, ressuscitado dentre os mortos, nos fala. A sua
palavra nos reanima na caminhada da vida.
O texto fala que dois dos discípulos
de Jesus saíram de Jerusalém e se dirigiram a um povoado chamado Emaús. Eles conversavam
sobre os acontecimentos dos últimos dias: paixão e morte de Jesus. Certamente,
estavam profundamente tristes e frustrados, pois esperavam que Jesus fosse o
libertador de Israel.
Jesus se aproximou “e começou a
caminhar com eles”, mas não o reconheceram, porque, segundo o evangelista, “estavam
como que cegos”. Coitados, estavam afetados pela tristeza, frustração,
abatimento... Jesus se interessa pela conversa deles, e pergunta sobre o
assunto.
Aqui já temos um ponto importante:
Jesus se aproxima, caminha conosco e se interessa por nossa situação. Ele sabia
a situação daqueles seus dois discípulos, assim como sabe da nossa situação. Vivemos
caminhando na vida, e ele sabe dos nossos caminhos. Por onde e para onde
caminhamos?... Em nossa caminhada, sobre o que estamos conversando?... Cada
pessoa é chamada a responder a estas questões, considerando que Jesus quer caminhar
conosco e participar da nossa vida.
Não basta saber disso. Saber é
importante, mas não resolve tudo. O saber esclarece; é como que a luz da
lanterna. Mas para que serve a lanterna? Certamente, para iluminar e dissipar a
escuridão do caminho. Jesus quer nos falar, e sua palavra dissipa as trevas da
nossa ignorância. Ele abre a nossa inteligência para as coisas de Deus,
conferindo-nos a visão de Deus e da sua vontade.
Quem permite a companhia de Jesus
nos caminhos da vida faz a experiência da cura da cegueira e da tristeza. As dificuldades
da vida provocam abatimento. Muitas vezes, parece que fomos vencidos pelo
desânimo. Mas se temos fé naquele que caminha conosco, que está presente e se
interessa por nossas histórias pessoais e coletivas, então recuperamos o ânimo.
Nossas histórias são preenchidas por alegrias e esperanças, tristezas e
desilusões... Em tudo isso, Jesus vai nos falando, vai nos despertando.
Aos dois discípulos, quando chama a
atenção para a falta de inteligência e lentidão deles, Jesus diz: “Será que o
Cristo não devia sofrer tudo isso para entrar na sua glória?” Claro que Jesus
não está dizendo que o sofrimento pelo sofrimento é algo necessário. Ele não
está falando de qualquer sofrimento, mas do seu sofrimento redentor. O seguidor
de Jesus, que caminha com ele, também sofre porque aderiu ao mesmo projeto
redentor de Jesus. Jesus não sofreu porque tinha que sofrer, mas porque foi
fiel ao seu Pai e nosso Deus. Seu sofrimento foi manifestação de amor, pura
doação para a salvação da humanidade.
Assim, os que sofrem são chamados a
se unir à paixão e morte de Jesus na cruz. Este é o caminho que conduz à
ressurreição. Esta é a manifestação do poder e da glória de Deus. Todos sofremos.
Uns sofrem mais, outros menos. O sofrimento faz parte da vida. São inúmeras as
causas. A gente pode tornar a vida mais sofrida, quando queremos satisfazer os
nossos desejos, nossa raiva, ódio e vingança, nossas ambições desmedidas, nossa
vontade de fazer o mal aos outros etc.
Uma prece importante é a de pedirmos
a Deus que tranquilize nossos sentimentos agitados, fazendo-nos ter os mesmos
sentimentos de Jesus Cristo. A vida, por mais difícil que seja, tem a sua
leveza. Se pararmos para meditar sobre o sofrimento que nos aflige,
sintonizando-nos com o sofrimento de Jesus na cruz, certamente nos sentiremos
confortados. Da cruz de Jesus, banhada de sangue, não brota o desespero, mas
esperança e paz. Na cruz, Jesus nos ensinou que é possível amar e perdoar. Carregando
nossas cruzes também podemos experimentar o amor, o perdão, a paz e a mansidão.
O texto também fala que após ter
explicado para eles as passagens da Escritura que falavam a seu respeito, Jesus
fez de conta que iria tomar outra direção, acelerando o passo. Mas eles pronunciam
um belo convite: “Fica conosco, pois já é tarde e a noite vem chegando!” Este convite
precisa ser também nosso: Convidar Jesus para caminhar conosco. A noite vem
chegando, e muitas vezes falta luz. Sem esta ficamos no escuro e sem visão das
coisas. Quem gosta do escuro? Nascemos para a luz. Durante a noite, não nos
dedicamos a vagar na escuridão. Não somos seres noturnos. Não nascemos para as
trevas.
E o texto acrescenta que Jesus
entrou “para ficar com eles”. Jesus quer permanecer. Isto nos fala de uma
fidelidade na presença. Ele não abandona os seus discípulos na tristeza e na
frustração. De modo algum! E com eles reparte o pão. E no partir o pão, eles o
reconheceram. Quanta alegria! Eles falam que seus corações ardiam enquanto
escutavam Jesus explicar as Escrituras. Precisamos sentir essa ardência no coração.
As palavras de Jesus têm esse poder: Fazem arder o coração. São palavras que
despertam força, ânimo, coragem, esperança, paz, desejo de viver a
fraternidade, caminhando na presença de Deus.
O texto termina dizendo que os discípulos
reconheceram Jesus “ao partir o pão”. Partir o pão não é experiência que se
vive na solidão, mas na comunhão. Na liturgia, o pão é repartido e o próprio
Cristo se oferece a cada pessoa disposta a recebê-lo. É um gesto que se
multiplica no cotidiano de nossas vidas, quando vivemos a comunhão fraterna. É vivendo
esta comunhão que reconhecemos Jesus hoje. Nestes tempos difíceis de pandemia e
de crise política, como estamos vivendo a comunhão fraterna? Estamos reconhecendo
Jesus na partilha do pão, ou ele continua sendo um desconhecido, porque
insistimos em nossa mesquinhez e egoísmo?...
Tiago
de França
Nenhum comentário:
Postar um comentário