“Derramou água numa bacia,
pôs-se a lavar os pés dos discípulos e enxugava-os com a toalha que trazia à
cintura” (Jo 13,5).
Na última ceia do Senhor,
encontramos Jesus lavando os pés de seus discípulos. O Senhor e mestre se
inclina para lavar os pés de seus seguidores. Um gesto desconcertante,
extraordinário e provocador. Não causaria estranheza se ocorresse o contrário:
os discípulos lavando os pés de seu Mestre.
Jesus faz o gesto e pergunta se eles
compreenderam, e, em seguida, pede que façam a mesma coisa. O que significa
este gesto? Na relação entre mestre e discípulo, segundo a compreensão da
época, o mestre é superior ao discípulo; é aquele que ensina o que se deve
fazer e como se deve viver. Portanto, havia uma relação de superioridade por
parte do mestre, e de inferioridade por parte do discípulo. Uma relação de
poder.
Jesus ensina o contrário: O mestre é
aquele que serve, sem dominar; ensina, sem se mostrar superior; inclina-se para
ter outro ângulo de visão. Na comunidade cristã, o espírito de controle e
dominação não deve encontrar lugar. Os pastores do povo de Deus não são
senhores, dominadores nem donos do povo, mas servidores. São chamados a fazer
como Jesus, atendendo ao que ele pediu: Inclinar-se para lavar os pés.
A Igreja católica ensina que nesta
quinta-feira da Semana Santa se celebra a instituição da Eucaristia e do
sacerdócio ministerial. Em sintonia com o gesto do lava-pés é preciso dizer ao
padres e bispos, com toda clareza: o povo é de Deus e a Igreja é de Jesus
Cristo. Padres e bispos não são senhores, pois somente um é o Senhor: Jesus, o
Cristo de Deus. Na Igreja, os ministros ordenados são servidores e devem ser
tratados como servidores.
A vivência da Eucaristia está no
serviço aos irmãos. Quando afirmamos que a Eucaristia faz a Igreja, estamos
dizendo que o serviço aos irmãos faz a Igreja. Na Eucaristia ouvimos Jesus
dizer que ele está se doando: “Isto é o meu corpo que será entregue por vós...”
O corpo e o sangue de Jesus são entregues para a remissão dos pecados e para
que a vida se multiplique e se torne plena.
Tomar parte na ceia do Senhor é uma
grande responsabilidade, é sinônimo de adesão ao que Jesus é: Doação para a
vida plena. Na Eucaristia, somos resgatados e elevados à dignidade de filhos e
filhas de Deus; somos transformados em instrumentos do amor divino, único capaz
de renovar todas as coisas. Na Eucaristia, todas as coisas são unificadas em
Cristo; somos transformados em hóstias vivas. Assim, em nós e através de nós,
Jesus penetra o mundo, recriando todas as coisas. A sua missão salvífica
acontece.
A fraternidade é o sinal eloquente
da nossa participação no corpo e no sangue de Jesus. É a prova de que estamos
em comunhão com ele. A fraternidade se revela na comunhão com Jesus, que
acontece na comunhão com os irmãos. Por isso, quando comungamos na celebração
eucarística e, posteriormente, dedicamo-nos às intrigas e à prática sistemática
do mal, a graça oriunda da Eucaristia não permanece em nós. Na verdade,
transparecemos uma grande mentira.
Quem se recusa ao amor que gera
fraternidade, presente na fecunda relação com os outros, e mesmo assim
participa da comunhão eucarística, encontra-se numa profunda contradição. Aí está
o sentido de comungar a própria condenação, expressa pelo apóstolo Paulo,
quando fala de se comungar indignamente do corpo e do sangue do Senhor. Recusar-se
ao amor é recusar-se ao próprio Deus presente na Eucaristia. Trata-se de uma
negação de Deus, muito perigosa e inadmissível a qualquer cristão.
Em tempos de pandemia do
coronavírus, a ceia do Senhor poderá ser celebrada no seio de cada família
cristã católica. É verdade que a celebração do mistério eucarístico não se
encerra na celebração ritual, pois celebramos e vivenciamos esta celebração no
cotidiano da vida, nos gestos e palavras que expressam o amor de Deus. Neste ano,
acredita-se que esta consciência da celebração vivencial da Eucaristia seja mais
clara e, portanto, evidente e fecunda.
A atual situação nos mostra que a
Eucaristia significa cuidado e proximidade, convivência amorosa e alegria de
estar juntos. A fraternidade é a vivência destas coisas. No isolamento social,
tendo em vista a preservação da própria vida e da vida dos outros, somos
chamados a sermos pessoas eucarísticas, cuidando e se aproximando, convivendo
na alegria de irmãos que vivem juntos. A fé em Jesus não pode ser vivenciada na
solidão dos que se isolam para evitar a comunhão fraternidade, mas daqueles que
se aproximam e permitem a proximidade.
Ao redor da mesa, comendo e bebendo,
Jesus ensina a comunhão fraterna, o verdadeiro sentido de ser Igreja no mundo.
Quem sentar-se à mesa com Jesus, com ele estará comprometido e, assim,
convidado desde já, para participar da grande festa da mesa do Reino de Deus, a
qual se sentarão todos aqueles que atenderam ao chamado divino para viver
amando a Deus e ao próximo. O amor revelado na Eucaristia é antecipação da participação
na mesa do Reino de Deus; espécie de antegozo, mesmo que parcial, da festa sem
fim que nos aguarda. Não há mistério mais belo, sublime e transformador,
totalmente disponível para todos, sem exclusão de quem quer que seja.
Tiago
de França
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