quinta-feira, 9 de abril de 2020

O mistério da última ceia do Senhor


“Derramou água numa bacia, pôs-se a lavar os pés dos discípulos e enxugava-os com a toalha que trazia à cintura” (Jo 13,5).
            Na última ceia do Senhor, encontramos Jesus lavando os pés de seus discípulos. O Senhor e mestre se inclina para lavar os pés de seus seguidores. Um gesto desconcertante, extraordinário e provocador. Não causaria estranheza se ocorresse o contrário: os discípulos lavando os pés de seu Mestre.
            Jesus faz o gesto e pergunta se eles compreenderam, e, em seguida, pede que façam a mesma coisa. O que significa este gesto? Na relação entre mestre e discípulo, segundo a compreensão da época, o mestre é superior ao discípulo; é aquele que ensina o que se deve fazer e como se deve viver. Portanto, havia uma relação de superioridade por parte do mestre, e de inferioridade por parte do discípulo. Uma relação de poder.
            Jesus ensina o contrário: O mestre é aquele que serve, sem dominar; ensina, sem se mostrar superior; inclina-se para ter outro ângulo de visão. Na comunidade cristã, o espírito de controle e dominação não deve encontrar lugar. Os pastores do povo de Deus não são senhores, dominadores nem donos do povo, mas servidores. São chamados a fazer como Jesus, atendendo ao que ele pediu: Inclinar-se para lavar os pés.
            A Igreja católica ensina que nesta quinta-feira da Semana Santa se celebra a instituição da Eucaristia e do sacerdócio ministerial. Em sintonia com o gesto do lava-pés é preciso dizer ao padres e bispos, com toda clareza: o povo é de Deus e a Igreja é de Jesus Cristo. Padres e bispos não são senhores, pois somente um é o Senhor: Jesus, o Cristo de Deus. Na Igreja, os ministros ordenados são servidores e devem ser tratados como servidores.
            A vivência da Eucaristia está no serviço aos irmãos. Quando afirmamos que a Eucaristia faz a Igreja, estamos dizendo que o serviço aos irmãos faz a Igreja. Na Eucaristia ouvimos Jesus dizer que ele está se doando: “Isto é o meu corpo que será entregue por vós...” O corpo e o sangue de Jesus são entregues para a remissão dos pecados e para que a vida se multiplique e se torne plena.
            Tomar parte na ceia do Senhor é uma grande responsabilidade, é sinônimo de adesão ao que Jesus é: Doação para a vida plena. Na Eucaristia, somos resgatados e elevados à dignidade de filhos e filhas de Deus; somos transformados em instrumentos do amor divino, único capaz de renovar todas as coisas. Na Eucaristia, todas as coisas são unificadas em Cristo; somos transformados em hóstias vivas. Assim, em nós e através de nós, Jesus penetra o mundo, recriando todas as coisas. A sua missão salvífica acontece.
            A fraternidade é o sinal eloquente da nossa participação no corpo e no sangue de Jesus. É a prova de que estamos em comunhão com ele. A fraternidade se revela na comunhão com Jesus, que acontece na comunhão com os irmãos. Por isso, quando comungamos na celebração eucarística e, posteriormente, dedicamo-nos às intrigas e à prática sistemática do mal, a graça oriunda da Eucaristia não permanece em nós. Na verdade, transparecemos uma grande mentira.
            Quem se recusa ao amor que gera fraternidade, presente na fecunda relação com os outros, e mesmo assim participa da comunhão eucarística, encontra-se numa profunda contradição. Aí está o sentido de comungar a própria condenação, expressa pelo apóstolo Paulo, quando fala de se comungar indignamente do corpo e do sangue do Senhor. Recusar-se ao amor é recusar-se ao próprio Deus presente na Eucaristia. Trata-se de uma negação de Deus, muito perigosa e inadmissível a qualquer cristão.
            Em tempos de pandemia do coronavírus, a ceia do Senhor poderá ser celebrada no seio de cada família cristã católica. É verdade que a celebração do mistério eucarístico não se encerra na celebração ritual, pois celebramos e vivenciamos esta celebração no cotidiano da vida, nos gestos e palavras que expressam o amor de Deus. Neste ano, acredita-se que esta consciência da celebração vivencial da Eucaristia seja mais clara e, portanto, evidente e fecunda.
            A atual situação nos mostra que a Eucaristia significa cuidado e proximidade, convivência amorosa e alegria de estar juntos. A fraternidade é a vivência destas coisas. No isolamento social, tendo em vista a preservação da própria vida e da vida dos outros, somos chamados a sermos pessoas eucarísticas, cuidando e se aproximando, convivendo na alegria de irmãos que vivem juntos. A fé em Jesus não pode ser vivenciada na solidão dos que se isolam para evitar a comunhão fraternidade, mas daqueles que se aproximam e permitem a proximidade.
            Ao redor da mesa, comendo e bebendo, Jesus ensina a comunhão fraterna, o verdadeiro sentido de ser Igreja no mundo. Quem sentar-se à mesa com Jesus, com ele estará comprometido e, assim, convidado desde já, para participar da grande festa da mesa do Reino de Deus, a qual se sentarão todos aqueles que atenderam ao chamado divino para viver amando a Deus e ao próximo. O amor revelado na Eucaristia é antecipação da participação na mesa do Reino de Deus; espécie de antegozo, mesmo que parcial, da festa sem fim que nos aguarda. Não há mistério mais belo, sublime e transformador, totalmente disponível para todos, sem exclusão de quem quer que seja.

Tiago de França

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