quinta-feira, 30 de abril de 2020

O Brasil e a pandemia do coronavírus


          Não é novidade para ninguém que, geralmente, no Brasil as coisas não são levadas a sério. Há uma forte tendência à avacalhação. Há muitas explicações para o entendimento desta situação, e uma delas é o desprezo pela ciência. Aceita-se, com muita facilidade, explicações infundadas sobre muitas coisas. A falta de conhecimento e informações domina a sociedade brasileira. Milhões de pessoas não tem noção da realidade; vivem sendo jogadas de um lado para o outro, como folhas secas ao vento.
            Esse contexto social é terreno fértil para os oportunistas e golpistas entrar em cena e dominar a situação. A forma como o governo federal está lidando com a pandemia e com as crises política e econômica é exemplo deste oportunismo violento. O presidente da República não aceita a letalidade do coronavírus, apesar das milhares de vítimas. Ele desdenha tanto do vírus quanto das vítimas e seus familiares. Não há nenhum sentimento de respeito e solidariedade.
            A falta de respeito do presidente já não escandaliza, e aí é que mora o perigo. O presidente sabe que a repetição de palavras e gestos baixos e indignos de um ser humano pode, aos poucos, ser aceita com naturalidade. Cria-se a cultura do político ignorante e desrespeitador. As pessoas vão se acostumando com esse tipo desprezível de político. O ser humano também se acostuma com o que é ruim e prejudicial ao convívio social. Nunca na história política do Brasil tivemos um presidente de um nível tão rasteiro.
            O ministro da saúde foi demitido. Deu lugar a outro totalmente alinhado com o nível do presidente, sem nenhuma experiência nem contato com o sistema único de saúde. Nas últimas horas, há notícias de que outros membros de altos postos do ministério da saúde foram demitidos. O objetivo é preencher tais cargos com pessoas oriundas das indicações políticas dos partidos que compõem o que chamam de “Centrão”. Estes partidos estão sendo procurados pelo presidente, para compor a base aliada do governo no Congresso. O presidente parece se preparar para um possível processo de impeachment.
            Indicações políticas, geralmente, são desprovidas de preparo técnico. Há uma incompatibilidade entre técnica e política no Brasil. Os quadros políticos são providos de gente despreparada, que só sabem fazer politicagem: Utilizam-se do dinheiro público e do aparelho estatal para manter a sede de dinheiro, prestígio e poder de pessoas desprovidas de interesse pelo bem comum. Esta é uma das práticas da velha política brasileira. Gasta-se muito dinheiro público para manter essa situação.
            A mudança no ministério da saúde é para atender à necessidade do presidente. Ele quer um ministério que reproduza seus discursos anticientíficos, pautados no achismo. O resultado disso para a saúde do povo é desastroso. Saúde não combina com achismo. A medicina não se pauta no despreparo nem na superstição, mas na ciência. Manter o povo doente e na ignorância é uma estratégia política dos governos autoritários. Neste contexto, a saúde se torna objeto dos privilegiados, e os planos de saúde privados ganham espaço e muito dinheiro.
            O atual governo já deixou claro que é totalmente alinhado com os grandes grupos empresariais que dominam a economia brasileira. Isso explica a constante revisão da legislação para favorecer a estes grupos. O povo desassistido pelo poder público não é uma preocupação do governo. Quem analisa as medidas do governo logo enxerga que os ricos estão se beneficiando, e os pobres estão perdendo e sendo prejudicados. Para camuflar a situação, o presidente se ocupa com piadas de mal gosto e gestos grotescos, desviando o foco da atenção das pessoas.  
            A pandemia do coronavírus no Brasil chegou a um nível muito agressivo. O número de infectados e mortos é inferior à realidade, porque não foram feitos testes em massa. Assim, não se sabe ao certo a quantidade de infectados pelo vírus. Os números publicados refletem a realidade de quem está sentindo os sintomas e procurando as unidades hospitalares de saúde. Como a população não está sendo submetida a testes, o vírus está circulando sem que ninguém saiba o número exato de vítimas.
            Outro fator perigoso é a indisciplina de milhões de brasileiros. De um lado, o presidente zomba do vírus e incita o povo a voltar ao que chama de “normalidade”; por outro, a Organização Mundial da Saúde recomenda o isolamento social. Um povo com pouco esclarecimento e confuso não consegue se prevenir. O discurso de salvação da economia do presidente e seus gestos que demonstram pouca ou nenhuma responsabilidade com a saúde pública influenciam, fortemente, muitas pessoas, principalmente as mais desinformadas.
            A realidade é que as UTIs estão sendo todas preenchidas, e o contágio está aumentando. Ainda há muitas pessoas que não acreditam na letalidade do vírus, assim como o presidente. Outros pensam que a mídia e os governadores estão inventando os números publicados, imaginando que o número de infectados e mortos seja inferior. Considerando a falta de testagem geral da população, a situação frágil do sistema único de saúde e a subnotificação de casos, a situação parece bem mais grave do que a que está sendo veiculada. Portanto, há fortes indícios de que os números oficiais não retratam a realidade.
            O contexto leva a crer na possibilidade de manipulação dos números oficiais, para passar a ideia de que o vírus está “indo embora” (expressão utilizada pelo presidente em certa ocasião). Nos EUA, país que conta com mais de 60 mil mortos e 1 milhão de infectados, o presidente Trump também adota postura irresponsável ao dizer que o vírus está indo embora. Como são ricos, a testagem da população é maior que em outros países. Assim, a realidade fica mais evidente. Mas, apesar da situação ser trágica, Trump continua alimentando o estilo populista irresponsável de governar. Jair Bolsonaro trilha o mesmo caminho.
            Enquanto o povo padece por causa do coronavírus e da falta de renda (o desemprego já chegou a 12,9 milhões de pessoas, segundo o IBGE), o presidente da República está brigando com o STF, que suspendeu a nomeação e posse do novo diretor-geral da Polícia Federal, um grande amigo seu e de seus filhos, que iria ajudá-los em inquéritos junto aquele Tribunal, estancando, assim, a sangria. O presidente está revoltado, e afirma que não “engoliu” a decisão do ministro que barrou o seu amigo na Polícia Federal.
            A esperança é que as pessoas estejam, pelo menos, enxergando o despreparo e a falta de interesse do presidente quanto à gestão transparente da coisa pública, bem como ao uso que ele faz do cargo e do aparelho estatal para proteger e beneficiar a si e aos seus. Isso está acontecendo de forma pública e notória. Não enxerga quem não quer. Quem consegue enxergar, e mesmo assim, defende o presidente, sinaliza que comunga dos mesmos pensamentos e posturas desprovidas de valores essenciais à vida em sociedade e à democracia, tais como verdade, liberdade, integridade moral, transparência, tolerância, respeito, entre outros.
            Sem pessimismo algum, esta é nossa realidade. Resta-nos torcer para que menos pessoas morram, e uma nova consciência possa emergir deste triste cenário. Ficar em casa continua sendo recomendável. É importante se prevenir, para não ser somado aos números oficiais nem às subnotificações. Ter consciência vale a pena e faz bem à saúde.

Tiago de França

Um comentário:

elton fontir disse...

Muito bem, vamos pra luta