Não é
novidade para ninguém que, geralmente, no Brasil as coisas não são levadas a
sério. Há uma forte tendência à avacalhação. Há muitas explicações para o
entendimento desta situação, e uma delas é o desprezo pela ciência. Aceita-se,
com muita facilidade, explicações infundadas sobre muitas coisas. A falta de
conhecimento e informações domina a sociedade brasileira. Milhões de
pessoas não tem noção da realidade; vivem sendo jogadas de um lado para o
outro, como folhas secas ao vento.
Esse contexto social é terreno
fértil para os oportunistas e golpistas entrar em cena e dominar a situação. A forma
como o governo federal está lidando com a pandemia e com as crises política e
econômica é exemplo deste oportunismo violento. O presidente da República não
aceita a letalidade do coronavírus, apesar das milhares de vítimas. Ele desdenha
tanto do vírus quanto das vítimas e seus familiares. Não há nenhum sentimento
de respeito e solidariedade.
A falta de respeito do presidente já
não escandaliza, e aí é que mora o perigo. O presidente sabe que a repetição de
palavras e gestos baixos e indignos de um ser humano pode, aos poucos, ser
aceita com naturalidade. Cria-se a cultura do político ignorante e
desrespeitador. As pessoas vão se acostumando com esse tipo desprezível de
político. O ser humano também se acostuma com o que é ruim e prejudicial ao
convívio social. Nunca na história política do Brasil tivemos um presidente de
um nível tão rasteiro.
O ministro da saúde foi demitido. Deu
lugar a outro totalmente alinhado com o nível do presidente, sem nenhuma experiência
nem contato com o sistema único de saúde. Nas últimas horas, há notícias de que
outros membros de altos postos do ministério da saúde foram demitidos. O objetivo
é preencher tais cargos com pessoas oriundas das indicações políticas dos
partidos que compõem o que chamam de “Centrão”. Estes partidos estão sendo
procurados pelo presidente, para compor a base aliada do governo no Congresso. O
presidente parece se preparar para um possível processo de impeachment.
Indicações políticas, geralmente,
são desprovidas de preparo técnico. Há uma incompatibilidade entre técnica e
política no Brasil. Os quadros políticos são providos de gente despreparada, que
só sabem fazer politicagem: Utilizam-se do dinheiro público e do aparelho
estatal para manter a sede de dinheiro, prestígio e poder de pessoas desprovidas
de interesse pelo bem comum. Esta é uma das práticas da velha política
brasileira. Gasta-se muito dinheiro público para manter essa situação.
A mudança no ministério da saúde é
para atender à necessidade do presidente. Ele quer um ministério que reproduza
seus discursos anticientíficos, pautados no achismo. O resultado disso para a
saúde do povo é desastroso. Saúde não combina com achismo. A medicina não se
pauta no despreparo nem na superstição, mas na ciência. Manter o povo doente e
na ignorância é uma estratégia política dos governos autoritários. Neste contexto,
a saúde se torna objeto dos privilegiados, e os planos de saúde privados ganham
espaço e muito dinheiro.
O atual governo já deixou claro que
é totalmente alinhado com os grandes grupos empresariais que dominam a economia
brasileira. Isso explica a constante revisão da legislação para favorecer a
estes grupos. O povo desassistido pelo poder público não é uma preocupação do
governo. Quem analisa as medidas do governo logo enxerga que os ricos estão se
beneficiando, e os pobres estão perdendo e sendo prejudicados. Para camuflar a
situação, o presidente se ocupa com piadas de mal gosto e gestos grotescos,
desviando o foco da atenção das pessoas.
A pandemia do coronavírus no Brasil
chegou a um nível muito agressivo. O número de infectados e mortos é inferior à
realidade, porque não foram feitos testes em massa. Assim, não se sabe ao certo
a quantidade de infectados pelo vírus. Os números publicados refletem a
realidade de quem está sentindo os sintomas e procurando as unidades
hospitalares de saúde. Como a população não está sendo submetida a testes, o
vírus está circulando sem que ninguém saiba o número exato de vítimas.
Outro fator perigoso é a
indisciplina de milhões de brasileiros. De um lado, o presidente zomba do vírus
e incita o povo a voltar ao que chama de “normalidade”; por outro, a
Organização Mundial da Saúde recomenda o isolamento social. Um povo com pouco
esclarecimento e confuso não consegue se prevenir. O discurso de salvação da
economia do presidente e seus gestos que demonstram pouca ou nenhuma
responsabilidade com a saúde pública influenciam, fortemente, muitas pessoas,
principalmente as mais desinformadas.
A realidade é que as UTIs estão
sendo todas preenchidas, e o contágio está aumentando. Ainda há muitas pessoas
que não acreditam na letalidade do vírus, assim como o presidente. Outros pensam
que a mídia e os governadores estão inventando os números publicados,
imaginando que o número de infectados e mortos seja inferior. Considerando a
falta de testagem geral da população, a situação frágil do sistema único de saúde
e a subnotificação de casos, a situação parece bem mais grave do que a que está
sendo veiculada. Portanto, há fortes indícios de que os números oficiais não
retratam a realidade.
O contexto leva a crer na
possibilidade de manipulação dos números oficiais, para passar a ideia de que o
vírus está “indo embora” (expressão utilizada pelo presidente em certa
ocasião). Nos EUA, país que conta com mais de 60 mil mortos e 1 milhão de
infectados, o presidente Trump também adota postura irresponsável ao dizer que
o vírus está indo embora. Como são ricos, a testagem da população é maior que
em outros países. Assim, a realidade fica mais evidente. Mas, apesar da
situação ser trágica, Trump continua alimentando o estilo populista
irresponsável de governar. Jair Bolsonaro trilha o mesmo caminho.
Enquanto o povo padece por causa do
coronavírus e da falta de renda (o desemprego já chegou a 12,9 milhões de
pessoas, segundo o IBGE), o presidente da República está brigando com o STF,
que suspendeu a nomeação e posse do novo diretor-geral da Polícia Federal, um
grande amigo seu e de seus filhos, que iria ajudá-los em inquéritos junto
aquele Tribunal, estancando, assim, a sangria. O presidente está revoltado, e
afirma que não “engoliu” a decisão do ministro que barrou o seu amigo na
Polícia Federal.
A esperança é que as pessoas
estejam, pelo menos, enxergando o despreparo e a falta de interesse do
presidente quanto à gestão transparente da coisa pública, bem como ao uso que
ele faz do cargo e do aparelho estatal para proteger e beneficiar a si e aos
seus. Isso está acontecendo de forma pública e notória. Não enxerga quem não
quer. Quem consegue enxergar, e mesmo assim, defende o presidente, sinaliza que
comunga dos mesmos pensamentos e posturas desprovidas de valores essenciais à
vida em sociedade e à democracia, tais como verdade, liberdade, integridade
moral, transparência, tolerância, respeito, entre outros.
Sem pessimismo algum, esta é nossa
realidade. Resta-nos torcer para que menos pessoas morram, e uma nova
consciência possa emergir deste triste cenário. Ficar em casa continua sendo
recomendável. É importante se prevenir, para não ser somado aos números
oficiais nem às subnotificações. Ter consciência vale a pena e faz bem à saúde.
Tiago
de França
Um comentário:
Muito bem, vamos pra luta
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