quarta-feira, 1 de abril de 2020

O recolhimento e a conversão


       Estamos vivendo tempos de pandemia. Um vírus, elemento invisível, intimida a humanidade e a obriga ao recolhimento. Este é oportunidade para reflexão, meditação e contemplação de Deus. No cristianismo, conhecemos a importância do recolhimento e da solidão. Tratar-se de um necessário movimento de interioridade, de voltar-se para dentro de si mesmo, de autoconhecimento.
            Certamente, muita gente se sente inquieta e incomodada. Estamos acostumados a viver voltados para fora, na extroversão. As sociedades ocidentais são barulhentas, agitadas, apressadas, tensas, dadas a movimentos intensos. De repente, foram obrigadas ao recolhimento. Apesar da Internet, da televisão e das redes sociais que ocupam a mente e “acalma” a tensão, os corpos humanos se encontram inquietos porque se sentem presos nas casas. Em muitos casos, presos à solidão das ruas, viadutos e praças.
            Não se tem notícia de pessoas que estão se dedicando à leitura, meditação e reflexão sobre a própria existência e a situação do mundo atual. A grande maioria está ocupada com o entretenimento das telas dos celulares, TVs e computadores. Outras estão ocupadas com o muito dormir, porque se sentem mais aliviadas e seguras no mundo do sono. Dormir é uma das formas de não enxergar o que está acontecendo. Mas muita gente acordada também está em um sono profundo, porque ainda falta o despertar para a realidade.
            Recolher-se é atitude corajosa. Na solidão contemplativa, a pessoa está diante de si mesma, tendo que encarar a sua verdade. Cada pessoa traz consigo a sua verdade, aquilo que verdadeiramente é. A verdade daquilo que se é significa a personalidade que, muitas vezes, escondemos dos outros: o nosso verdadeiro eu, nossa verdadeira identidade. O silêncio da solidão contemplativa faz aparecer esta identidade pessoal. Ter a coragem de permanecer diante da própria verdade, reconciliando-se com ela, aceitando-a, é uma experiência libertadora. É um encontro iluminador, um despertar para a vida.
            O confinamento é uma excelente oportunidade para um encontro consigo mesmo. Este encontro pode mudar o rumo da vida, porque gera novas posturas. Para os cristãos, seguidores de Jesus, o confinamento também significa experiência de Deus. Este Deus fala a partir de dentro, pois reside no mais íntimo do coração humano. Quando a pessoa mergulha em si mesma, no mais profundo de si poderá encontrar Deus. Ele é paciente, sabe esperar. É o Deus do encontro, que permanece, é o Revelador da nossa verdadeira identidade e felicidade. Feliz de quem o encontra e com ele permanece.
            Os cristãos católicos estão celebrando a Quaresma, tempo de recolhimento para uma escuta mais apurada da Palavra de Deus. Em poucos dias, celebrarão o mistério da paixão, morte e ressurreição de Jesus, o Cristo de Deus. Exceto os ministros ordenados e poucos auxiliares, todos celebrarão este mistério no recolhimento. Será uma experiência nova para muitos. Para outros, não será novidade porque nunca se ocuparam com a celebração deste mistério.
            Será que a celebração do mistério pascal de Cristo, centro da fé cristã, não vai provocar nenhuma transformação no interior daqueles que confessam a fé em Jesus, e que estão recolhidos? Será que esta feliz oportunidade de confinamento para um maior aprofundamento do ser cristão no mundo passará sem ser devidamente aproveitada? Até quando muitas pessoas adiarão o necessário e libertador encontro consigo mesmas? Este confinamento em decorrência da pandemia não provocará nenhum progresso espiritual? Após esse período de paixão e morte não se viverá a ressurreição? Até quando a humanidade insistirá em caminhar para o abismo, com olhos e ouvidos fechados, dominada pelo egoísmo gerador da cultura da morte?
            É tempo de conversão. Os apelos estão aí. Eles também estão em nós. Despertemos enquanto há tempo.
Tiago de França

Um comentário:

Unknown disse...

Este tempo de quaresma devemos aproveitar este momento de recolhimento para meditar a palavra de DEUS é como você disse lê mais refleti para crescer no conhecimento