segunda-feira, 22 de junho de 2020

Buscar o essencial


“Atualmente permanecem estes três: a fé, a esperança, o amor. Mas o maior deles é o amor” (1 Cor 13,13).

            O tempo da pandemia do novo coronavírus impôs um novo ritmo à vida das pessoas. O recolhimento virou regra, e muitos continuam sofrendo com o tédio, a ansiedade, a inquietação. Também a depressão atinge a vida de muita gente. Mas esse tempo é propício para o silêncio e a oração. Nesse silêncio é possível refletir sobre a vida e seus dilemas. Para o cristão, é uma feliz oportunidade para estar mais perto de Deus, de forma mais íntima e discreta.
            O recolhimento obrigou muitas pessoas a se encontrarem consigo mesmas. Não é uma experiência fácil, porque a tendência é fazer o oposto. Os estímulos externos quase que as obrigam a permanecer fora de si mesmas, fora do próprio eixo. Fora de si, dominada pela dispersão, a pessoa não consegue encontrar o próprio eixo, não consegue encontrar-se. É preciso vencer aquela resistência quase natural que insiste em manter-se do lado de fora. E são tantos os motivos!...
            Parece que o medo é o maior empecilho, a pedra que permanece no meio do caminho: O medo de si mesmo. Há um paradoxo doloroso que parece estar no mais íntimo da pessoa: O medo de mergulhar em seu próprio poço, e o desejo de ser livre. O medo retrai e o sonho da liberdade expande os horizontes. O medo afasta do essencial da vida; é uma força que deixa a pessoa diminuída, travada, aprisionada. Às vezes, tira até a visão, impedindo que se veja o quanto a vida é bela e cheia de possibilidades.
            Entre as opções que a vida oferece está o amor. Este é o essencial da vida. Isto parece não ser novidade. Tanta gente já nos falou sobre isso. Mas olhando o mundo e as pessoas, bem como navegando nos recônditos profundos da alma, uma pergunta pode surgir e inquietar: Será que busco o essencial da vida?... Nas Igrejas, palestras, livros de autoajuda, rodas de conversa, oração, e nas reflexões que se multiplicam em outros lugares e momentos aparece este apelo ao essencial: O apelo ao amor. Por que será que esse apelo não é levado a sério?...
            Há uma diferença entre amor e aparência de amor. Na concepção cristã, onde se encontra o fio condutor dessas provocações, o amor é ação. Não é uma ideia, nem mero desejo. O amor é postura, atitude, movimento que aponta para uma direção. Na vertical, aponta para Deus; na horizontal, para o próximo. Mas estas direções se unem numa só: O amor ao próximo é expressão do amor a Deus. Quem revelou isso foi Jesus de Nazaré, que segundo a fé cristã, é a encarnação do Amor.
            O amor humano se manifesta de diversas formas e todas são legítimas: no amor entre pais e filhos, entre os cônjuges, na amizade sincera, no exercício das profissões, na política, nas artes, no cuidado com a vida de todo ser vivo; enfim, onde existem pessoas, aí existe a possibilidade do amor. Este é uma possibilidade aberta e plena de sentido. O amor é o essencial porque preenche a vida de sentido. Não há felicidade possível fora dele.
            Inúmeras são as situações que manifestam a ausência do amor. É possível afirmar que na ausência do amor o mal se manifesta. No amor se manifesta o bem-querer, o querer o bem do outro. Este querer benfazejo é carregado de uma energia positiva, que tranquiliza, alegra e constrói. No mal se manifestam as forças de morte, dotadas de energias que causam incômodo, tristeza e destruição. O amor une, o mal divide. A pessoa que ama está em paz consigo mesma, mesmo quando a vida é sofrida. Quem ama se torna forte para vencer o sofrimento, ou para conviver com ele.
            Desprovida de amor, ou entregue às forças geradoras de morte, a pessoa não tem paz. A mente e o coração se ocupam em planejar o mal para si e para os outros. Não há a busca do bem do outro. Este bem passa a ser visto como um mal. O que domina a pessoa é um estado permanente de perturbação da mente, do coração e do espírito. A consciência, mesmo deturpada, ainda insiste em manifestar um julgamento sobre o mal pensado, desejado, planejado e praticado. A consciência é uma juíza que nunca falha.
            De que mal está se falando? O mal não é uma entidade abstrata. É concebido no coração humano e se materializa na ação. O mundo está aí, tristemente marcado por inúmeras manifestações do mal. A aparência de amor é um desses males. Acontece quando alguém verbaliza o amor, mas não o pratica. Trata-se do amor declarado, mas não vivido.
Entre muitos exemplos, é possível citar a traição. Esta parecer ser a expressão que denuncia a falta de amor. Trair a confiança do outro é uma experiência decepcionante e cruel. As relações humanas devem ser pautadas na confiança. Quando esta é quebrada temos a traição, que é uma espécie de desvio de caráter. O que seria da raça humana sem a confiança? O que seria do paciente se não confiasse no seu médico? O que seria do penitente se não confiasse no seu confessor? O que seria da amizade e do casamento sem a confiança constitutiva dessas relações?... A traição revela a aparência de amor, a sua ausência.
O amor não livra do sofrimento decorrente dos inúmeros males que possam atingir as pessoas, mas previne, eficazmente, contra o mal da falta de amor. Quando se ama, dar-se a si mesmo e ao outro a possibilidade do crescimento e do amadurecimento. No amor, as pessoas amadurecem e se tornam melhores. Amar é dar a si mesmo e ao outro a oportunidade de ser feliz.
Um dos benefícios do amor é a saúde física e espiritual. A pessoa que ama não permanece intoxicada por sentimentos que puxam para baixo. O amor rejuvenesce, confere leveza e suavidade à vida. Quem ama não precisa armar-se contra os outros, pois o amor é a força mais forte que existe. Sendo amorosa, a pessoa é capaz de desarmar os outros, porque nenhuma força negativa consegue resistir à força transformadora do amor.
No amor, a pessoa é livre. Isto é perceptível na serenidade do olhar, das palavras e dos gestos da pessoa. O amor a integra e plenifica. Por isso, é possível encontrar pessoas que são capazes de gestos extraordinários, sempre envolvendo o bem do outro. O que levou São Maximiliano Maria Kolbe, no campo de concentração de Auschwitz, a morrer no lugar de um pai de família? O amor o tornou livre para abraçar o martírio.
O amor liberta e transforma a pessoa. Como é possível trilhar o caminho da conversão? Sem o amor ninguém consegue mudar de vida. Independentemente do que a pessoa fez, sempre existe a possibilidade de conversão. Deus ama o pecador porque sabe que seu amor é o remédio que liberta do pecado. Ninguém se converte com ameaça e castigo, mas sendo amado.
Não poderia concluir estas reflexões sobre a busca do amor, essencial da vida, sem deixar algumas perguntas que podem ajudar no necessário processo diário de conversão. Há sempre quem leva a sério as perguntas existenciais, que até podem incomodar, mas tem o propósito de ajudar. O tempo está passando, e a vida biológica, inevitavelmente, conhecerá seu fim. Esta mesma vida é uma feliz oportunidade para, de fato, ser vivida, no amor.
O que estou fazendo da minha vida? Por que resisto tanto ao amor? Por que desejo, planejo e faço o mal às pessoas? O que tenho feito para tornar o mundo melhor? O que minhas palavras e ações reforçam no mundo? Por que não estou aproveitando o tempo da minha vida com o que realmente vale a pena? Qual o lugar que o amor ocupa na minha vida? Por que evito beber do meu próprio poço, no mais profundo de mim mesmo? O que estou procurando para minha vida, realmente é importante e corresponde ao amor? Se morresse hoje, morreria feliz?...
Feliz aquele que pensa na própria vida e se decide pelo amor!

Tiago de França

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