“Atualmente permanecem estes
três: a fé, a esperança, o amor. Mas o maior deles é o amor” (1 Cor
13,13).
O tempo da pandemia do novo
coronavírus impôs um novo ritmo à vida das pessoas. O recolhimento virou regra,
e muitos continuam sofrendo com o tédio, a ansiedade, a inquietação. Também a
depressão atinge a vida de muita gente. Mas esse tempo é propício para o
silêncio e a oração. Nesse silêncio é possível refletir sobre a vida e seus
dilemas. Para o cristão, é uma feliz oportunidade para estar mais perto de
Deus, de forma mais íntima e discreta.
O recolhimento obrigou muitas
pessoas a se encontrarem consigo mesmas. Não é uma experiência fácil, porque a
tendência é fazer o oposto. Os estímulos externos quase que as obrigam a
permanecer fora de si mesmas, fora do próprio eixo. Fora de si, dominada pela
dispersão, a pessoa não consegue encontrar o próprio eixo, não consegue
encontrar-se. É preciso vencer aquela resistência quase natural que insiste em
manter-se do lado de fora. E são tantos os motivos!...
Parece que o medo é o maior
empecilho, a pedra que permanece no meio do caminho: O medo de si mesmo. Há um
paradoxo doloroso que parece estar no mais íntimo da pessoa: O medo de
mergulhar em seu próprio poço, e o desejo de ser livre. O medo retrai e o sonho
da liberdade expande os horizontes. O medo afasta do essencial da vida; é uma
força que deixa a pessoa diminuída, travada, aprisionada. Às vezes, tira até a
visão, impedindo que se veja o quanto a vida é bela e cheia de possibilidades.
Entre as opções que a vida oferece
está o amor. Este é o essencial da vida. Isto parece não ser novidade. Tanta
gente já nos falou sobre isso. Mas olhando o mundo e as pessoas, bem como
navegando nos recônditos profundos da alma, uma pergunta pode surgir e
inquietar: Será que busco o essencial da vida?... Nas Igrejas, palestras,
livros de autoajuda, rodas de conversa, oração, e nas reflexões que se
multiplicam em outros lugares e momentos aparece este apelo ao essencial: O
apelo ao amor. Por que será que esse apelo não é levado a sério?...
Há uma diferença entre amor e
aparência de amor. Na concepção cristã, onde se encontra o fio condutor dessas
provocações, o amor é ação. Não é uma ideia, nem mero desejo. O amor é postura,
atitude, movimento que aponta para uma direção. Na vertical, aponta para Deus;
na horizontal, para o próximo. Mas estas direções se unem numa só: O amor ao
próximo é expressão do amor a Deus. Quem revelou isso foi Jesus de Nazaré, que
segundo a fé cristã, é a encarnação do Amor.
O amor humano se manifesta de
diversas formas e todas são legítimas: no amor entre pais e filhos, entre os
cônjuges, na amizade sincera, no exercício das profissões, na política, nas
artes, no cuidado com a vida de todo ser vivo; enfim, onde existem pessoas, aí
existe a possibilidade do amor. Este é uma possibilidade aberta e plena de
sentido. O amor é o essencial porque preenche a vida de sentido. Não há
felicidade possível fora dele.
Inúmeras são as situações que
manifestam a ausência do amor. É possível afirmar que na ausência do amor o mal
se manifesta. No amor se manifesta o bem-querer, o querer o bem do outro. Este
querer benfazejo é carregado de uma energia positiva, que tranquiliza, alegra e
constrói. No mal se manifestam as forças de morte, dotadas de energias que
causam incômodo, tristeza e destruição. O amor une, o mal divide. A pessoa que
ama está em paz consigo mesma, mesmo quando a vida é sofrida. Quem ama se torna
forte para vencer o sofrimento, ou para conviver com ele.
Desprovida de amor, ou entregue às
forças geradoras de morte, a pessoa não tem paz. A mente e o coração se ocupam
em planejar o mal para si e para os outros. Não há a busca do bem do outro.
Este bem passa a ser visto como um mal. O que domina a pessoa é um estado
permanente de perturbação da mente, do coração e do espírito. A consciência,
mesmo deturpada, ainda insiste em manifestar um julgamento sobre o mal pensado,
desejado, planejado e praticado. A consciência é uma juíza que nunca falha.
De que mal está se falando? O mal
não é uma entidade abstrata. É concebido no coração humano e se materializa na
ação. O mundo está aí, tristemente marcado por inúmeras manifestações do mal. A
aparência de amor é um desses males. Acontece quando alguém verbaliza o amor,
mas não o pratica. Trata-se do amor declarado, mas não vivido.
Entre muitos exemplos, é possível citar a traição. Esta
parecer ser a expressão que denuncia a falta de amor. Trair a confiança do
outro é uma experiência decepcionante e cruel. As relações humanas devem ser pautadas
na confiança. Quando esta é quebrada temos a traição, que é uma espécie de
desvio de caráter. O que seria da raça humana sem a confiança? O que seria do
paciente se não confiasse no seu médico? O que seria do penitente se não
confiasse no seu confessor? O que seria da amizade e do casamento sem a
confiança constitutiva dessas relações?... A traição revela a aparência de
amor, a sua ausência.
O amor não livra do sofrimento decorrente dos inúmeros
males que possam atingir as pessoas, mas previne, eficazmente, contra o mal da
falta de amor. Quando se ama, dar-se a si mesmo e ao outro a possibilidade do
crescimento e do amadurecimento. No amor, as pessoas amadurecem e se tornam
melhores. Amar é dar a si mesmo e ao outro a oportunidade de ser feliz.
Um dos benefícios do amor é a saúde física e espiritual. A
pessoa que ama não permanece intoxicada por sentimentos que puxam para baixo. O
amor rejuvenesce, confere leveza e suavidade à vida. Quem ama não precisa
armar-se contra os outros, pois o amor é a força mais forte que existe. Sendo
amorosa, a pessoa é capaz de desarmar os outros, porque nenhuma força negativa
consegue resistir à força transformadora do amor.
No amor, a pessoa é livre. Isto é perceptível na serenidade
do olhar, das palavras e dos gestos da pessoa. O amor a integra e plenifica.
Por isso, é possível encontrar pessoas que são capazes de gestos
extraordinários, sempre envolvendo o bem do outro. O que levou São Maximiliano
Maria Kolbe, no campo de concentração de Auschwitz, a morrer no lugar de um pai
de família? O amor o tornou livre para abraçar o martírio.
O amor liberta e transforma a pessoa. Como é possível
trilhar o caminho da conversão? Sem o amor ninguém consegue mudar de vida. Independentemente
do que a pessoa fez, sempre existe a possibilidade de conversão. Deus ama o
pecador porque sabe que seu amor é o remédio que liberta do pecado. Ninguém se
converte com ameaça e castigo, mas sendo amado.
Não poderia concluir estas reflexões sobre a busca do amor,
essencial da vida, sem deixar algumas perguntas que podem ajudar no necessário
processo diário de conversão. Há sempre quem leva a sério as perguntas
existenciais, que até podem incomodar, mas tem o propósito de ajudar. O tempo
está passando, e a vida biológica, inevitavelmente, conhecerá seu fim. Esta
mesma vida é uma feliz oportunidade para, de fato, ser vivida, no amor.
O que estou fazendo da minha vida? Por que resisto tanto ao
amor? Por que desejo, planejo e faço o mal às pessoas? O que tenho feito para
tornar o mundo melhor? O que minhas palavras e ações reforçam no mundo? Por que
não estou aproveitando o tempo da minha vida com o que realmente vale a pena?
Qual o lugar que o amor ocupa na minha vida? Por que evito beber do meu próprio
poço, no mais profundo de mim mesmo? O que estou procurando para minha vida,
realmente é importante e corresponde ao amor? Se morresse hoje, morreria
feliz?...
Feliz aquele que pensa na própria vida e se decide pelo
amor!
Tiago de França
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