“... a mão do Senhor estava
com ele” (Lc 1,66).
O profeta João Batista tem muito a
dizer às mulheres e homens de nosso tempo, principalmente aqueles que professam
a fé em Jesus Cristo. As Escrituras falam que Deus o enviou para preparar os
caminhos de Jesus, missão que cumpriu com dedicação e coragem. Filho de Isabel,
uma mulher idosa, João simboliza o cumprimento das promessas de Deus a Israel. Inclusive,
o nome Isabel significa “o juramento de Deus”. Nela, Deus mostrou que continua unido
a seu povo, demonstrando que a aliança feita estaria prestes a ser renovada, de
forma definitiva, na pessoa de Jesus, o Messias.
O nome do pai de João também fala
desse Deus que jamais se esquece de seu povo: Zacarias quer dizer “Deus se
recordou”. Zacarias era sacerdote no Templo, homem fiel e temente a Deus. Conhecedor
da Lei de Deus, certamente conhecia as promessas divinas, e dando ao seu filho,
prodigiosamente concebido, o nome de João, declarou que, de fato, Israel gozava
do favor divino. João quer dizer “o favor de Deus”. Em torno do menino surgiu
uma grande expectativa, e todos que souberam da notícia do seu nascimento se
perguntavam: O que virá a ser este
menino? (Lc 1,66).
Diferentemente do pai, João não se
tornou sacerdote, mas um grande profeta. Posteriormente, Jesus vai elogiá-lo,
dizendo que João era mais que um profeta: Eu
vos digo: entre todos os nascidos de mulher, não há ninguém maior do que João
(Lc 7,28). Em relação ao sacerdote, que era vinculado à oferta de sacrifícios,
o profeta é um homem livre, portador da palavra de Deus, partícipe da economia
salvífica. O profeta é mensageiro de Deus; não fala por si, nem de si, mas
transmite o que Deus quer de seu povo. João anunciava a vinda do Messias,
pregando a penitência e batizando no Jordão.
O evangelista Lucas afirma que a mão do Senhor estava com ele. Esta expressão
tem um profundo significado. Enviado por Deus, todo profeta não deixa este
mundo sem cumprir a sua missão. Quando Deus envia, faz com que a missão se
realize, plenamente. As ameaças, as forças humanas, a calúnia, a injúria e a
difamação, e toda espécie de empecilho não são capazes de impedir a plena
realização da missão profética. Cada profeta é enviado por Deus para uma missão
específica, em um contexto específico e numa época determinada. Assim ocorre,
porque Deus assim determina, para que o seu plano de salvação chegue à
plenitude.
João teve a missão de preparar as
mentes e os corações das pessoas, anunciando a vinda do Messias prometido. Este
anúncio era pautado no chamado à conversão. João era perspicaz e corajoso, contundente
e objetivo: Arrependei-vos, pois o Reino
dos Céus está próximo. E completava, utilizando entre outras palavras: Cria de víboras, quem vos ensinou a fugir da
ira que está para chegar? Produzi, pois, fruto digno de vosso arrependimento
(Mt 3, 2.7-8). A palavra do profeta é forte como a palavra de Deus, que é viva, eficaz e mais penetrante que
qualquer espada de dois gumes. Penetra até dividir alma e espírito,
articulações e medulas. Julga os pensamentos e as intenções do coração (Hb
4,12). Quando o profeta fala, as pessoas logo sentem que é Deus que fala por
seu intermédio, porque se trata da pura revelação da vontade divina, e não de
palavras soltas ao vento, desprovidas de sentido e fundamento.
Para que seja dessa forma, o profeta
goza da liberdade de filho de Deus, e somente ao Espírito de Deus deve
obediência. A mão do Senhor é o favor
divino que auxilia o profeta, dando-lhe discernimento e segurança. É no Senhor
que o profeta se apoia, porque transmite a Sua palavra libertadora: Palavra
que, muitas vezes, incomoda e provoca a ira dos ouvintes, que inconformados,
não a aceitam
É no deserto que o profeta escuta o que deve proclamar ao
povo (cf. Mt 3,1). O deserto é o lugar da provação, da escuta e do
autoconhecimento. João era homem de fé inabalável, uma fé mais valiosa que o
ouro provado no fogo (cf. 1Pd 1,7). Todas as vezes que o povo de Deus desdenhou
das palavras dos profetas, recusando-se a escutá-los, experimentou as
consequências inevitáveis desta triste atitude. Não há conversão possível sem
escuta atenta dos apelos de Deus; e todos os profetas não fizeram, nem fazem
outra coisa senão proclamar sobre os telhados os apelos divinos para cada época
e circunstância.
A celebração da solenidade do nascimento de João Batista, o
precursor do Salvador, é uma feliz oportunidade para a escuta dos apelos de
Deus. O que Deus está nos falando, nesse momento tão desolador da história da
humanidade? Será que não há um apelo à mudança de vida? Será que a pandemia do
novo coronavírus não é uma ocasião para rever a forma como as pessoas se
relacionam? Será que já não é hora de revisar a relação que as pessoas têm com
a natureza? E a relação com Deus, será que não precisa ser revista? Ou será que
após a pandemia, a vida humana vai permanecer do mesmo jeito, como se nada
tivesse acontecido?...
Assim como João Batista, toda pessoa que habita este mundo
é chamada a viver de tal forma que o seu caminhar seja uma permanente
preparação para que surja um mundo mais justo e fraterno. Nossas palavras e
ações edificam, ou destroem?... João nos recorda que o machado já está posto à raiz das árvores... (Mt 3,10), e não
podemos ser “cortados” sem que produzamos frutos de justiça e paz. É preciso
vigiar, esperar agindo, e integrar as forças do Reino que transformam todas as
coisas. Certamente, Deus não é o causador do mal do mundo, mas esse mal pode
ser transformado no caminho de volta ao Senhor, sempre disposto a acolher e
produzir vida em cada pessoa e no mundo.
Tiago de França
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