terça-feira, 16 de junho de 2020

O amor aos inimigos


"Amai os vossos inimigos e rezai por aqueles que vos perseguem!" (Mt 5,44)
Jesus parece pedir algo impossível ao ser humano, mas se assim fosse, certamente não teria pedido. Na revisão que faz dos princípios que regiam a lei mosaica, Jesus pede o amor aos inimigos e a oração pelos perseguidores. Esta parecer ser uma das páginas mais difíceis das Escrituras neotestamentárias. É necessário compreender o que se pede.
Certamente, no Antigo Testamento, não encontramos nenhuma passagem em que Deus apareça pedindo ou recomendando o ódio ao inimigo. Portanto, quem busca justificar o ódio ao inimigo se utilizando da Bíblia comete um equívoco e um pecado. A palavra de Deus não foi escrita com esse objetivo.
O que existia era algo simples de se compreender: Amava-se aquele que era da tribo, e odiava-se o estrangeiro, o que não pertencia à tribo. O sentimento nacionalista e tribal vigorava entre os judeus. Esta situação criou uma imagem de Deus que confirmasse tal oposição ao inimigo: Um Deus que ama seu povo e destrói os opositores de sua gente. Mas a partir de Jesus não deve ser assim.
Para o judeu, perfeito era aquele que cumpria a lei mosaica. Para Jesus, perfeito é aquele que age conforme a vontade de Deus. Por isso, a perfeição consiste em fazer a vontade de Deus. Esta ultrapassa os limites da lei, porque não é legalista nem está em função da lei. A lei é importante, e Jesus não veio aboli-la, mas seu convite é para que seus discípulos possam buscar fazer a vontade de Deus. Quem assim procede, cumpre toda a lei.
Jesus ensina que o Pai é bom, e que faz o sol nascer e a chuva cair sobre maus e bons, justos e injustos (cf. Mt 5,45). Nos versículos seguintes, afirma que amar somente aquelas pessoas que nos amam não tem nada de extraordinário; bem como saudar somente aqueles que nos saúdam. Para ser filho do Pai é preciso amar os inimigos e rezar por aqueles que nos perseguem. Isto é ser perfeito, porque esta é a vontade do Pai.
Pela fé, somos filhos no Filho. Deus é Pai de todos, e não somente daqueles que nos são próximos. Também é Pai daqueles que nos fazem o mal. O amor ao inimigo não é mero sentimento, nem exige que se acerque do inimigo para afagá-lo. O amor aos inimigos nos impede que os destruamos. O ensinamento de Jesus condena a cultura da eliminação dos inimigos, que é tão comum até entre os cristãos.
Infelizmente, nas relações interpessoais, quando as pessoas entram em conflito; quando uma atrapalha a vida da outra, é comum que ambas procurem pagar o mal com o mal. Isso não é atitude de filho (a) de Deus. O que Jesus pede é o querer o bem daqueles que nos desejam o mal. Esta é a perfeição exigida por Jesus: O amor. Perfeito é aquele que ama, e não o que cumpre a lei e odeia quem não a cumpre.
Muitas vezes, nas relações com as pessoas, vigia-se a conduta do outro para pegá-lo em alguma fraqueza. O objetivo não é a correção fraterna, nem ajudá-lo em sua fragilidade. Busca-se, pelo contrário, arruinar mais ainda o outro. Esse tipo de conduta não convém ao cristão.
O amor reprova o mal, mas salva o pecador; reprova a má conduta, mas sem causar a eliminação do outro. Quem errou, já se encontra numa situação de queda. Precisamos acabar, principalmente no seio das comunidades cristãs, com essa cultura da rivalidade e da eliminação do outro.
É necessário resgatar o pedido de perdão, fazendo com que haja espaço para a reconciliação. É preciso também alargar os horizontes de compreensão, num esforço permanente de compreender as causas que levam às quedas do próximo. Todos caímos, e todos necessitamos da misericórdia.
Os impiedosos não alcançarão o Reino de Deus, e os que pagam o mal com o mal, não escaparão das consequências da própria maldade. É preciso amar as pessoas, indistintamente, "como se não houvesse amanhã".

Tiago de França

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