"Amai os vossos inimigos e rezai por
aqueles que vos perseguem!" (Mt 5,44)
Jesus parece pedir algo impossível ao ser humano, mas se
assim fosse, certamente não teria pedido. Na revisão que faz dos princípios que
regiam a lei mosaica, Jesus pede o amor aos inimigos e a oração pelos perseguidores.
Esta parecer ser uma das páginas mais difíceis das Escrituras
neotestamentárias. É necessário compreender o que se pede.
Certamente, no Antigo Testamento, não encontramos nenhuma
passagem em que Deus apareça pedindo ou recomendando o ódio ao inimigo.
Portanto, quem busca justificar o ódio ao inimigo se utilizando da Bíblia
comete um equívoco e um pecado. A palavra de Deus não foi escrita com esse
objetivo.
O que existia era algo simples de se compreender: Amava-se
aquele que era da tribo, e odiava-se o estrangeiro, o que não pertencia à
tribo. O sentimento nacionalista e tribal vigorava entre os judeus. Esta
situação criou uma imagem de Deus que confirmasse tal oposição ao inimigo: Um
Deus que ama seu povo e destrói os opositores de sua gente. Mas a partir de
Jesus não deve ser assim.
Para o judeu, perfeito era aquele que cumpria a lei
mosaica. Para Jesus, perfeito é aquele que age conforme a vontade de Deus. Por
isso, a perfeição consiste em fazer a vontade de Deus. Esta ultrapassa os
limites da lei, porque não é legalista nem está em função da lei. A lei é
importante, e Jesus não veio aboli-la, mas seu convite é para que seus
discípulos possam buscar fazer a vontade de Deus. Quem assim procede, cumpre
toda a lei.
Jesus ensina que o Pai é bom, e que faz o sol nascer e a
chuva cair sobre maus e bons, justos e injustos (cf. Mt 5,45). Nos versículos
seguintes, afirma que amar somente aquelas pessoas que nos amam não tem nada de
extraordinário; bem como saudar somente aqueles que nos saúdam. Para ser filho
do Pai é preciso amar os inimigos e rezar por aqueles que nos perseguem. Isto é
ser perfeito, porque esta é a vontade do Pai.
Pela fé, somos filhos no Filho. Deus é Pai de todos, e não
somente daqueles que nos são próximos. Também é Pai daqueles que nos fazem o
mal. O amor ao inimigo não é mero sentimento, nem exige que se acerque do
inimigo para afagá-lo. O amor aos inimigos nos impede que os destruamos. O
ensinamento de Jesus condena a cultura da eliminação dos inimigos, que é tão
comum até entre os cristãos.
Infelizmente, nas relações interpessoais, quando as pessoas
entram em conflito; quando uma atrapalha a vida da outra, é comum que ambas
procurem pagar o mal com o mal. Isso não é atitude de filho (a) de Deus. O que
Jesus pede é o querer o bem daqueles que nos desejam o mal. Esta é a perfeição
exigida por Jesus: O amor. Perfeito é aquele que ama, e não o que cumpre a lei
e odeia quem não a cumpre.
Muitas vezes, nas relações com as pessoas, vigia-se a
conduta do outro para pegá-lo em alguma fraqueza. O objetivo não é a correção
fraterna, nem ajudá-lo em sua fragilidade. Busca-se, pelo contrário, arruinar
mais ainda o outro. Esse tipo de conduta não convém ao cristão.
O amor reprova o mal, mas salva o pecador; reprova a má
conduta, mas sem causar a eliminação do outro. Quem errou, já se encontra numa
situação de queda. Precisamos acabar, principalmente no seio das comunidades
cristãs, com essa cultura da rivalidade e da eliminação do outro.
É necessário resgatar o pedido de perdão, fazendo com que
haja espaço para a reconciliação. É preciso também alargar os horizontes de
compreensão, num esforço permanente de compreender as causas que levam às
quedas do próximo. Todos caímos, e todos necessitamos da misericórdia.
Os impiedosos não alcançarão o Reino de Deus, e os que
pagam o mal com o mal, não escaparão das consequências da própria maldade. É
preciso amar as pessoas, indistintamente, "como se não houvesse
amanhã".
Tiago
de França
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