“Deus amou tanto o mundo, que
deu o seu Filho unigênito, para que não morra todo o que nele crer, mas tenha a
vida eterna” (Jo 3,16).
A simples afirmação que intitula a presente
reflexão revela quem é o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Mas o que significa
dizer que Deus é amor? Significa que ele “amou
tanto o mundo, que deu o seu Filho unigênito...” O evangelista explica o
motivo que levou o Pai a enviar seu Filho unigênito ao mundo: Enviou porque
muito amou. Em seguida, explicita a missão que o Filho recebeu do Pai: “...para que não morra todo o que nele crer,
mas tenha a vida eterna”.
A vida eterna é a grande promessa do
Filho no evangelho segundo João. Tem a vida eterna quem crer no Filho que o Pai
enviou. Esta é a condição. O Filho também foi enviado para que a humanidade
creia no Pai, no Filho e no Espírito Santo. Portanto, Jesus de Nazaré, o Filho
unigênito, revela a totalidade da compreensão que se pode ter de Deus. Ele é a
plenitude da revelação divina. Não se pode esperar nada para além do que Jesus
revelou. Mas como Deus é mistério insondável, a inteligência humana é incapaz
de compreender plenamente.
O evangelista continua dizendo que o
Pai não enviou o Filho para condenar, mas para salvar (Jo 3,17). O nome Jesus
significa Deus salva. A imagem de um
Deus que vigia, julga com severidade e manda para o inferno é falsa. Esta imagem
não encontra espaço nos textos evangélicos. Deus é identificado com Jesus
presente nos textos evangélicos, e este Jesus, Filho unigênito, revelou que
Deus é amor. Em Jesus, Deus se torna pessoa, encarnando-se no mundo. Para
sermos mais explícitos: em Jesus, Deus tomou a forma de gente sem deixar de ser
Deus. E quando isso aconteceu, Deus revelou a imagem perfeita do ser humano
criado à sua imagem e semelhança.
Em Jesus, pode-se afirmar que Deus
se identifica com a pessoa humana. As palavras e os gestos de Jesus que
encontramos nos textos evangélicos revelam a identificação divina com os mais
simples e humildes. Desde a Antiga aliança Deus se identifica com o oprimido. Basta
conhecer a experiência da saída do povo da escravidão do Egito (cf. o livro do
Êxodo).
Em Jesus, Deus continua este trabalho de libertação
integral da pessoa humana. E é assim porque Deus não é uma ideia vaga, não é a
força do pensamento, não é um sentimento, não é mera projeção mental, não é
manifestação da angústia e do desespero humano, não é mero desejo de superação,
não é uma entidade espiritual distante, não é um carrasco que castiga, não é um
conceito teológico, não é objeto de manipulação e satisfação dos desejos das
pessoas.
Quando se afirma que Deus é amor, na verdade, está se
afirmando que Ele é o Deus conosco (cf.
Mt 28,20). Deus permanece próximo. No agir de Jesus descobre-se que Deus se
aproxima, preferencialmente, dos pobres e sofredores. Esta opção divina
perpassa toda a Bíblia. Não se trata de considerar que Deus escolhe uma parcela
da humanidade e abandona outras. Esse tipo de pensamento não tem legitimidade
nas Escrituras Sagradas. Deus não abandona ninguém.
Ao afirmar que somente Deus é bom, Jesus justifica a
predileção divina pelos mais frágeis deste mundo: Qual o Pai que não se compadece
dos filhos mais frágeis? Se os pais deste mundo, sendo pecadores, são capazes
de cuidar mais dos filhos indefesos, Deus pode mais ainda, em sua santidade e
perfeição. Ensinando a chamar a Deus de Pai, Jesus revela a face amorosa de
Deus, que somente é capaz de dar coisas boas a seus filhos, quando estes pedem
o seu socorro (cf. Mt 7,7-11).
No monte Sinai, ao perceber a
presença de Deus na nuvem, Moisés grita a Deus e revela algumas características
divinas. Diz ele: “Senhor, Senhor! Deus
misericordioso e clemente, paciente, rico em bondade e fiel” (Ex 34,6). Deus
é o Senhor. Por isso, é necessário amá-lo acima de todas as coisas. Nada está
acima dele, nem pode substituí-lo. É o Senhor de todo o universo. Deus é
misericordioso e clemente. Isso significa que não é vingativo nem impiedoso,
mas capaz de perdoar infinitamente. Aos seus discípulos, Jesus ensinou que é
necessário perdoar infinitamente (cf. Mt 18,21-22). A experiência do perdão faz
o discípulo participar da misericórdia divina (cf. Mt 18,32-35).
Deus é paciente. As Escrituras falam
da paciência de Deus. Ele tudo suporta por amor. A paciência revela a sua
natureza suave e benfazeja, serena e pacífica. Deus não é o Senhor da guerra,
da destruição e da morte, mas é o Deus que acredita nas pessoas, capaz de
enviar o seu único Filho para salvar toda a humanidade. Na cruz, Jesus revelou
o infinito amor e a infinita paciência de Deus. Na sua onisciência, Deus tu vê
e tudo conhece, mas jamais se aproveita disso para submeter as pessoas ao
castigo e à condenação eterna. Seria muita crueldade se Deus se aproveitasse
dos erros humanos para vingar-se. Deus não é assim. Ele não faz distinção entre
maus e bons, entre justos e injustos (cf. Mt 5,43-48). Deus somente sabe amar.
Deus é rico em bondade e fiel. Todas
as coisas foram criadas por Ele. Portanto, é o Senhor de toda a criação. Em si
mesmo, é infinitamente rico em bondade, e manifestou esta sua riqueza criando
tudo o que existe. Todo o universo revela a grandeza e a riqueza de Deus. Rico em
amor por ser essencialmente amor, revela-se desse modo no ser humano, dando-lhe
a mesma capacidade de amar. E neste amor as pessoas conhecem a Deus. Permanecer
no amor é permanecer em Deus (cf. 1 Jo 4,16).
Jesus diz que só Deus é bom (cf. Mc
10,18). O amor é bom. No amor o mal não encontra espaço. Por isso, não convém
ter medo de Deus. O temor a Deus não é sinônimo de medo, mas de respeito e
reverência. O amor afasta o temor (cf. 1 Jo 4,18). A bondade divina se revela
no seu amor infinito pelas pessoas e por toda a criação. Toda pessoa humana foi
criada à imagem e semelhança da bondade divina. Isso significa que toda pessoa
é chamada a ser boa, manifestando Deus ao mundo por meio da bondade. Porque é
bom, Deus é fiel. O apóstolo Paulo afirma que Deus é fiel mesmo quando as
pessoas são infiéis; se assim não fosse, Deus estaria negando a si mesmo (cf. 2
Tm 2,11-13). Deus é fiel e justo (cf. 1 Jo 1,9).
Nestes tempos difíceis de pandemia
do coronavírus, de crises política e econômica, de intolerância e de ameaças à
vida e à liberdade, é preciso afirmar, com clareza e firmeza, que Deus é amor:
O Pai enviou o Filho, e no Filho permanece no mundo com o Espírito Santo. Deus
é presença amorosa no meio do seu povo. Os poderosos deste mundo devem saber
que Deus permanece com os oprimidos e humilhados, com aqueles que são vítimas
do saque e da exploração. Precisam saber também que este mesmo Deus abomina a
invocação do seu Nome para legitimar a exploração e a morte dos empobrecidos e
sofredores.
Não se pode fazer o mal em nome de
Deus. Nenhuma pessoa recebeu de Deus este poder. O mal em nome de Deus
constitui pecado grave contra o próprio Deus. Trata-se de uma deturpação que não
pode ser tolerada. Portanto, toda pessoa que agride e mata em nome Deus comete
crime e pecado. Fora da revelação de que Deus é amor, é falsa qualquer imagem
sobre Deus que não esteja em sintonia com o amor.
No cristianismo, os líderes religiosos, com palavras e
ações, devem manifestar Deus ao mundo. Por isso, é contraditório recorrer à
imagem de um Deus vingativo. A vingança faz parte da vida daqueles que não
conhecem a Deus. Hoje, as pessoas precisam conhecer a Deus, e para conhecê-lo é
necessário entregar-se ao amor, e uma vez entregues ao amor, a liberdade de
filhos de Deus se manifesta e a vida se torna eterna.
Fora do amor não existe salvação, porque Deus é amor. Enquanto
a humanidade não trilhar o caminho do amor, continuará errante e sem sossego. Os
cristãos precisam ser testemunhas vivas desse amor, para que o mundo creia e
tenha a vida eterna. A falta de amor é o castigo que perturba e mata. Toda forma
de violência, religiosa e não religiosa, é manifestação explícita de falta de
amor, que, muitas vezes, está presente na vida de muita gente que se diz
religiosa. Infelizmente, é o que mais temos assistido nestes dias sombrios. Mas
Deus permanece fiel, e não deixará jamais faltar o amor no coração das mulheres
e homens de boa vontade. O amor livra do desespero.
Tiago de França
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