A
questão ecológica é uma das mais importantes questões que se tem discutido nos
últimos tempos. A situação atual do mundo reclama reflexão e articulação,
organização e engajamento, revisão de ideias e posturas. Constatar o problema,
que se mostra complexo e desafiador, e pensar linhas de ação para solucioná-lo,
ou ao menos amenizá-lo, é o objetivo do presente texto.
1. Algumas características do capitalismo
Inicialmente, é preciso pensar o
capitalismo com seus vícios e dilemas. Trata-se de um sistema que fez surgir um
modelo de progresso que não inclui todas as pessoas, ferindo a dignidade destas
e da natureza. A terra também possui uma dignidade a ser promovida e
preservada. O homem, juntamente com a terra, forma uma coisa só. Quando falamos
terra, não estamos nos referindo somente ao chão que está debaixo de nossos
pés, mas ao conjunto grandioso, complexo e rico da biodiversidade presente no
planeta terra.
Para a justa compreensão da nocividade
do sistema capitalista, é necessário analisar algumas de suas características,
mas sem correr o risco de demonizá-lo, pois muito daquilo que se conquistou de
bom, e que provocou certo desenvolvimento humano e material, foi conquista
deste sistema. Em outras palavras, o capitalismo tem seu lado positivo. Mas
como o foco da presente reflexão é apresentar, mesmo que brevemente, as causas
dos problemas ambientais que conhecemos hoje, a atenção se voltará para suas
características negativas. Afinal de contas, o que é positivo se apresenta como
solução, e não como problema.
Uma primeira característica é a visão que se tem da natureza. Desde o
início da modernidade, o homem pensou que, unindo ciência e técnica, resolveria
todos os seus problemas. Surgiu a chamada razão instrumental. Esta se sobrepôs
à fé dos medievais e se apresentou como a salvação do gênero humano.
Posteriormente, o positivismo consagrou o conhecimento oriundo da razão como
uma espécie de caminho de salvação. A realidade desmente tal intento, pois a
humanidade caminha para o colapso.
A visão que daí decorre é a de que a
natureza não passa de um objeto de conquista e dominação pelo homem. A
consequência lógica e natural é o surgimento de uma visão reducionista da
ecologia. Não se cria vínculo nem relação respeitosa com a terra, pois esta é
vista como uma fonte inesgotável de riquezas a ser explorado sem cessar. Dotado
de ambição desmedida, o homem explora sem medir as consequências de sua ação.
Dominado pela cegueira que as ambições cultivam na mente humana, vai trilhando
o caminho da própria morte. A morte da natureza é a morte do homem, pois este a
integra, querendo ou não.
Uma segunda característica negativa
do sistema capitalista que domina o mundo é a concentração de renda nas mãos de poucos. O acúmulo de bens
caracteriza o homem capitalista. Para isso, visa-se lucrar a todo custo. Para
alcançar este lucro, é necessário, muitas vezes, transgredir as leis ambientais
e trabalhistas. Cada país cria suas leis ambientais. No caso do Brasil, a
legislação ambiental está entre as mais avançadas do mundo. Apesar disso,
assiste-se a inúmeras violações das leis que foram criadas para promover e
proteger o meio ambiente.
A violação das leis ambientais hoje,
no Brasil, se dá pelo fato de o governo federal ser conivente com a situação.
Infelizmente, com o afrouxamento da fiscalização, principalmente por parte do
Ibama, que é um dos órgãos de fiscalização federal, o desflorestamento da
Amazônia é um dos crimes que tem chamado a atenção do mundo inteiro.
Fazendeiros, grileiros e garimpeiros são os criminosos principais. Quando os
ricos resolvem cometer crimes, o sistema de fiscalização e punição (órgãos de
fiscalização e Poder Judiciário) os tratam com certa leveza, colaborando, desse
modo, para o crescimento da cultura da impunidade que sempre fez parte da
história do Brasil.
A exploração das riquezas naturais
por parte de poucos, gera a concentração destas riquezas também nas mãos destes
poucos. A distribuição da água, a produção da energia, o cultivo dos alimentos
(grãos, carne e frango, principalmente), o gás de cozinha e demais produtos
necessários à sobrevivência humana, a produção e venda destes produtos geram
riquezas que se concentram nas mãos de um número reduzido de grandes
empresários. Estes formam a elite econômica, que procura dominar não somente a
economia, mas também o sistema político e cultural. Esta é a causa principal
das desigualdades sociais presentes nos países em desenvolvimento. As
instituições estatais são muito frágeis e tendenciosas no trato com os
poderosos, principalmente em matéria ambiental. Isto é facilmente perceptível,
principalmente no Brasil.
A
ideia de progresso que se tem no mundo capitalista é outra característica
marcante desse sistema. Desenvolvimento é a palavra de ordem; mas a realidade
tem mostrado que é uma espécie de desenvolvimento insustentável. A natureza tem
demonstrado que seus recursos se esgotam, e que uma vez agredida, responde com
força total. As secas em muitos lugares, o excesso de chuvas em outros, os tsunamis e todos os desastres ambientais
são uma resposta da natureza à ação humana. O planeta terra é um superorganismo
vivo, que uma vez agredido, é capaz de responder. O homem é incapaz de suportar
a resposta da natureza à exploração que dela se faz. Milhares de pessoas morrem
em todo o mundo devido aos desastres ambientais, entre outros males oriundos da
exploração da natureza.
A elite econômica que concebeu a
ideia capitalista de progresso, que não contempla a preservação da natureza,
não está preocupada com as consequências inevitáveis da destruição ambiental em nome do progresso. A mineração, o
desflorestamento, a poluição das águas, o uso excessivo de agrotóxicos, o
garimpo, a produção de hormônios e conservantes, a queima de combustíveis
fósseis geradora de dióxido de carbono, a poluição industrial e tantas outras
formas de agressão à natureza são reflexos de um modelo de desenvolvimento que
transmite uma falsa ideia de progresso. Para salvar o planeta do caos, o
progresso precisa se pautar em um modelo
de desenvolvimento integral, que considere a dignidade da pessoa humana e a
preservação da natureza.
Muitas outras características
poderiam ser elencadas, pois o sistema capitalista é amplo e complexo, não
deixando escapar nenhuma das dimensões da vida humana, mas para o objetivo a
que se propôs esta reflexão, as características mencionadas são suficientes
para a compreensão daquilo que podemos considerar o núcleo fundamental do
sistema. Com o passar do tempo, o sistema capitalista foi se aperfeiçoando de
tal modo que praticamente nenhum ser humano escapa do seu alcance e atuação
prejudicial.
2. A ecologia integral
A
ecologia integral é, certamente, um caminho viável de superação da crise ecológica que eclodiu no mundo
inteiro. Trata-se da ecologia que contempla a presença da natureza e a promoção
da dignidade da pessoa humana. A terra e os pobres são escutados e promovidos.
A ecologia integral está alicerçada na “cosmologia
de transformação”, expressão pensada pelo filósofo e teólogo Leonardo Boff,
em sua obra “As Quatro Ecologias: ambiental, política e social, mental e
integral”, publicada pela editora Mar de Ideias Navegação Cultural, em 2012.
Esta “cosmovisão de transformação” se opõe à “cosmologia de dominação”, fundada no antropocentrismo, que coloca
o homem no centro, considerando-o senhor e dominador da criação.
A solução para o problema da crise
ecológica está na conciliação entre
humanidade e meio ambiente. É necessário enxergar a natureza como titular
de direitos. Isto significa que se deve cultivar uma cultura de respeito e
cuidado, bem como fazer surgir uma nova
consciência planetária. Esta nova consciência fará com que as pessoas mudem
suas atitudes para experimentarem novas vivências na relação com a natureza. Deve-se
passar da mentalidade de exploração para a mentalidade do saber conviver com as
pessoas e com a natureza. O homem precisa criar uma nova relação com a
natureza, abandonando posturas predatórias e adotando atitudes amorosas com a
terra, casa comum.
Em maio de 2015, o Papa Francisco
publicou a encíclica Laudato Si’
sobre o cuidado da casa comum. Já no início da encíclica, o Papa afirma que a
terra é irmã do ser humano, expressando, assim, a proximidade e a ternura que se deve ter para com ela. “Esta irmã clama contra o mal que lhe
provocamos por causa do uso irresponsável e do abuso dos bens que Deus nela
colocou”, afirma o Papa; e após afirmar que a terra está, assim como os
pobres, sendo maltratada, oprimida e devastada, completa: “Esquecemo-nos de que nós mesmos somos terra (cf. Gn 2,7). O nosso
corpo é constituído pelos elementos do planeta; o seu ar permite-nos respirar,
e a sua água vivifica-nos e restaura-nos” (cf. Laudato Si’, n. 2).
Esta encíclica do Papa Francisco foi
muito bem recebida, tanto pelos católicos quanto pelas pessoas não católicas,
preocupadas com a situação ecológica do mundo. A comunidade científica também
elogiou a encíclica porque esta verbalizou uma preocupação que a ciência vem
manifestando nos últimos anos: O homem precisa mudar a sua relação com a natureza; precisa rever o modelo de desenvolvimento econômico adotado para a geração
de riqueza.
Na encíclica, o Papa lança um forte
e audacioso convite: renovar o diálogo sobre a maneira como estamos construindo
o futuro do planeta terra. O Papa chama a atenção para a necessidade de uma
nova “solidariedade universal”,
única capaz de salvar o planeta do caos. Esta solidariedade passa,
necessariamente, pela convicção de que tudo
está estreitamente interligado no mundo. É urgente que se procure “outras maneiras de entender a economia e o
progresso, o valor próprio de cada criatura, o sentido humano da ecologia, a
necessidade de debates sinceros e honestos, a grave responsabilidade da
política internacional e local, a cultura do descarte e a proposta dum novo
estilo de vida” (Laudato Si’, n.
16).
Estes breves apontamentos são
suficientes para nos alertar a respeito da necessária mudança de paradigma. Entende-se por paradigma a nossa maneira de
nos relacionarmos com nós mesmos e com tudo o que nos cerca; é uma espécie de
modelo de apreciação e explicação da realidade. No mundo moderno, o paradigma ocidental é marcado por uma
concepção reducionista do homem e pelo desrespeito às pessoas e à natureza. A
lógica linear que rege a pesquisa científica molda o nosso modo de enxergar a
vida, fazendo-nos aderir a concepções simplistas. Este paradigma legitima
relações predatórias e competitivas e, portanto, destruidoras dos seres frágeis
e indefesos, incluindo o próprio homem.
A crise ecológica exige a passagem
deste paradigma moderno legitimador de relações doentias para o paradigma ecológico. Este, por sua vez,
é marcado por uma nova visão da terra e do homem, uma nova forma de diálogo e
relação com a natureza, e por uma nova sensibilidade com o planeta terra. O
paradigma ecológico também inaugura a ética
da re-ligação, que se traduz na humanização do ser humano, na compreensão
da complexidade da vida de todos os seres vivos, na autoconsciência e
liberdade, e na obediência à lógica da
natureza, mãe que sustenta e governa a todos. Esta é a ética do bem-viver, que se opõe à ética da conveniência
legitimadora da exploração do homem e da natureza.
Tiago de França
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