quinta-feira, 11 de junho de 2020

Jesus: Pão vivo descido do céu


“Eu sou o pão vivo descido do céu. Quem comer deste pão viverá eternamente. E o pão que eu darei é a minha carne dada para a vida do mundo” (Jo 6,51).

            A celebração da solenidade do Corpo e Sangue de Cristo é um convite para rezar e refletir sobre o sentido da Eucaristia para a vida cristã. Jesus é o pão vivo descido do céu. Quem consegue viver sem o alimento? O discípulo de Jesus vive dele e para ele. Este é o sentido da Eucaristia. Quem recebe Jesus na Eucaristia vive unido a ele e viverá eternamente.
            Viver eternamente é a promessa de Jesus a toda pessoa que permanece em comunhão com ele. Esta comunhão se dá no pão, que é a sua carne dada para a vida do mundo. Esta carne dada é uma clara referência à sua vida doada na cruz. Desse modo, todo aquele que deseja permanecer unido a Jesus precisa saber que esta união também se dá na morte de cruz.
            Unir-se a Jesus em sua morte significa viver como ele viveu: anunciando o Reino, na fidelidade ao Pai, até a morte de cruz. O mesmo Jesus que afirmou ser o pão vivo descido do céu é o que disse que quem quiser segui-lo terá que renunciar a si mesmo e tomar a cruz. Portanto, é inconcebível permanecer em comunhão com o Pão vivo descido do céu sem assumir o compromisso do seguimento a Jesus.
            Seguir a Jesus é renunciar a si mesmo e tomar a cruz. Renunciar é preciso, porque na vida não se pode abraçar, nem querer tudo. Cada escolha exige suas renúncias. Qualquer profissão exige que se abra mão de tudo aquilo que não contribui para a escolha feita. Na vida cristã é a mesma coisa: Seguir a Jesus exige renúncia de tudo aquilo que realmente afasta dele: riqueza, poder, prestígio, ostentação, rivalidades, inveja, vontade de destruir os outros, falta de amor...
            Afastar-se do mal e ser solidário é um caminho de cruz. Não é fácil lidar com as tendências negativas da própria natureza, bem como permanecer aberto e disponível aos outros. Vencer o egoísmo é um caminho espinhoso. Quem vence o egoísmo experimenta a alegria de Jesus, o Pão da vida. A participação no Corpo e no Sangue de Jesus é uma feliz oportunidade para permanecer livre do egoísmo. Quem se deixa dominar pelo egoísmo está em profunda contradição com a Eucaristia que recebe. Eucaristia e egoísmo são realidades incompatíveis.
            O Papa São João Paulo II, na encíclica Ecclesia de Eucharistia, ensina que a Eucaristia é o sacramento por excelência do mistério pascal e está colocada no centro da vida eclesial, porque, segundo ele, a Igreja vive da Eucaristia (cf. nn. 1 e 3 da encíclica). O que significam estas afirmações do Papa? Muitas vezes, comunga-se da Eucaristia sem conhecer o seu verdadeiro significado. Há também aqueles que tomam parte no Corpo e Sangue do Senhor, mas se recusam a aderir ao seu projeto. Há um terceiro problema: Transformar a Eucaristia em um mero objeto de culto e adoração, desvinculando-a da vida.
            O mistério pascal de Cristo está no centro da vida da Igreja. Como a Eucaristia está no núcleo deste mistério, então ela ocupa o centro da vida eclesial. Às vezes, tem-se a impressão de que muitas pessoas não reconhecem Jesus na Eucaristia. Esta é vista como se fosse um alimento que purifica e alimenta a alma do fiel. Trata-se de uma visão reducionista da Eucaristia. Jesus não partilhou o pão pensando na purificação das almas das pessoas. Ninguém participa de uma refeição para se purificar, mas para se alimentar.
            Com isso, não se está negando que o Corpo e o Sangue do Senhor não perdoam os pecados. O sangue do Senhor foi derramado por todos para a remissão dos pecados. Quando se invoca o Espírito Santo, o pão e o vinho são transformados no Corpo do Senhor, que redime e salva a todos. O problema está no equívoco que ocorre ao se interpretar a remissão dos pecados. Os remidos pelo sangue de Cristo devem viver unidos a ele na missão que acontece no mundo. Não se deve comungar para viver isolado, com medo do pecado.
            Há uma íntima ligação entre a Eucaristia e a Igreja. Não é possível viver em comunhão com Jesus na Eucaristia sem viver em comunhão com a Igreja. Mas qual Igreja? A Igreja é Povo de Deus. Pela Eucaristia, este Povo é chamado a se tornar instrumento de unidade e paz das pessoas entre si e destas com Deus (cf. o cap. 17 da Lumen Gentium - constituição dogmática sobre a Igreja). Unidos à Eucaristia, os que professam a fé na Igreja são chamados a ser instrumentos de unidade e paz.
            Ultimamente, tem surgido outro mal na vida eclesial: Pessoas e grupos que banalizam a Eucaristia e deturpam o seu sentido eclesial. Há também os que ousam criar, para si e para os outros, concepções eclesiológicas incompatíveis com o Evangelho, com a Tradição e com o Magistério da Igreja. Particularizam a Igreja, ferindo a sua universalidade. A Igreja deixa de ser católica, para ser “minha Igreja”, “nossa Igreja”, em detrimento da “Igreja dos outros”. O mesmo se faz com a Eucaristia: Alegam a existência de um Jesus capaz de satisfazer os desejos pessoais e grupais.
            Quando vista desta forma, perde-se a sua dimensão vivencial. A Eucaristia passa é reduzida a objeto sagrado, que cura doenças, que dá sorte, que é reservada a algumas categorias de pessoas, que deve ser guardada em recipientes de ouro e prata, que serve para afastar pragas e castigos, que sendo tocada afasta o mal e o diabo etc. Esse reducionismo faz com que a Igreja não cresça no compromisso com os que mais sofrem, e contribui para o esvaziamento da fé.
            Os que possuem uma visão reducionista da Eucaristia não compreenderam o que Jesus quis dizer ao afirmar que é o pão vivo descido do céu. Quem se alimenta deste pão precisa caminhar. Este pão confere força para agir em conformidade com a vontade de Deus. É para fazer a vontade de Deus que o fiel comunga, e esta vontade divina exige compromisso com os que sofrem. Se o fiel comunga, mas vive na indiferença, entrou em comunhão com quem? É preciso adorar Jesus na hóstia consagrada sem deixar de olhar nos olhos dos irmãos. Estes olhos revelam o significado da comunhão eucarística, porque é um constante apelo ao amor.
            Em tempos de pandemia do coronavírus, a comunhão eucarística leva o cristão a viver por causa de Jesus. Quem o recebe como alimento permanece nele e vive por causa dele (cf. Jo 6,56-57). Toda pessoa que vive por causa de Jesus, vive em íntima relação com o que ele viveu e pregou: O amor. A Eucaristia torna as pessoas mais amorosas. Este é o efeito natural deste alimento salutar. Já que não é possível aos católicos, neste momento de pandemia, a participação de todos nas celebrações e procissões, na preparação de tapetes nas ruas, nos momentos de adoração eucarística etc., é importante que se reflita sobre o significado da Eucaristia na vida pessoal e eclesial, tendo em vista a celebração vivencial deste sacramento.
            Culto e vivência devem estar interligados. O que Jesus deseja é a comunhão na vida dos irmãos. Não basta somente comungar Jesus na hóstia consagrada. A celebração eucarística continua após a bênção final e a despedida. Separar liturgia eucarística da vida cotidiana é tornar sem efeito a comunhão com Jesus. A relação com Ele se dá na relação Eucaristia-Igreja. Cada fiel é membro da Igreja, e como membro deve comungar com os demais membros. A Eucaristia faz a Igreja e, assim, cada fiel se alimenta dela para tornar-se cada vez mais Igreja, cada vez mais Povo de Deus para a vida do mundo.

Tiago de França

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