“Eu sou o pão vivo descido do
céu. Quem comer deste pão viverá eternamente. E o pão que eu darei é a minha carne
dada para a vida do mundo” (Jo 6,51).
A celebração da solenidade do Corpo
e Sangue de Cristo é um convite para rezar e refletir sobre o sentido da
Eucaristia para a vida cristã. Jesus é o
pão vivo descido do céu. Quem consegue viver sem o alimento? O discípulo de
Jesus vive dele e para ele. Este é o sentido da Eucaristia. Quem recebe Jesus
na Eucaristia vive unido a ele e viverá
eternamente.
Viver eternamente é a promessa de
Jesus a toda pessoa que permanece em comunhão com ele. Esta comunhão se dá no
pão, que é a sua carne dada para a vida
do mundo. Esta carne dada é uma clara referência à sua vida doada na cruz. Desse
modo, todo aquele que deseja permanecer unido a Jesus precisa saber que esta
união também se dá na morte de cruz.
Unir-se a Jesus em sua morte
significa viver como ele viveu: anunciando o Reino, na fidelidade ao Pai, até a
morte de cruz. O mesmo Jesus que afirmou ser o pão vivo descido do céu é o que
disse que quem quiser segui-lo terá que renunciar a si mesmo e tomar a cruz. Portanto,
é inconcebível permanecer em comunhão com o Pão vivo descido do céu sem assumir
o compromisso do seguimento a Jesus.
Seguir a Jesus é renunciar a si
mesmo e tomar a cruz. Renunciar é preciso, porque na vida não se pode abraçar,
nem querer tudo. Cada escolha exige suas renúncias. Qualquer profissão exige
que se abra mão de tudo aquilo que não contribui para a escolha feita. Na vida
cristã é a mesma coisa: Seguir a Jesus exige renúncia de tudo aquilo que
realmente afasta dele: riqueza, poder, prestígio, ostentação, rivalidades,
inveja, vontade de destruir os outros, falta de amor...
Afastar-se do mal e ser solidário é
um caminho de cruz. Não é fácil lidar com as tendências negativas da própria
natureza, bem como permanecer aberto e disponível aos outros. Vencer o egoísmo
é um caminho espinhoso. Quem vence o egoísmo experimenta a alegria de Jesus, o
Pão da vida. A participação no Corpo e no Sangue de Jesus é uma feliz
oportunidade para permanecer livre do egoísmo. Quem se deixa dominar pelo
egoísmo está em profunda contradição com a Eucaristia que recebe. Eucaristia e
egoísmo são realidades incompatíveis.
O Papa São João Paulo II, na
encíclica Ecclesia de Eucharistia,
ensina que a Eucaristia é o sacramento
por excelência do mistério pascal e está
colocada no centro da vida eclesial, porque, segundo ele, a Igreja vive da Eucaristia (cf. nn. 1 e 3 da
encíclica). O que significam estas afirmações do Papa? Muitas vezes, comunga-se
da Eucaristia sem conhecer o seu verdadeiro significado. Há também aqueles que
tomam parte no Corpo e Sangue do Senhor, mas se recusam a aderir ao seu projeto.
Há um terceiro problema: Transformar a Eucaristia em um mero objeto de culto e
adoração, desvinculando-a da vida.
O mistério pascal de Cristo está no
centro da vida da Igreja. Como a Eucaristia está no núcleo deste mistério,
então ela ocupa o centro da vida eclesial. Às vezes, tem-se a impressão de que
muitas pessoas não reconhecem Jesus na Eucaristia. Esta é vista como se fosse um
alimento que purifica e alimenta a alma do fiel. Trata-se de uma visão
reducionista da Eucaristia. Jesus não partilhou o pão pensando na purificação
das almas das pessoas. Ninguém participa de uma refeição para se purificar, mas
para se alimentar.
Com isso, não se está negando que o
Corpo e o Sangue do Senhor não perdoam os pecados. O sangue do Senhor foi
derramado por todos para a remissão dos
pecados. Quando se invoca o Espírito Santo, o pão e o vinho são transformados
no Corpo do Senhor, que redime e salva a todos. O problema está no equívoco que
ocorre ao se interpretar a remissão dos pecados. Os remidos pelo sangue de
Cristo devem viver unidos a ele na missão que acontece no mundo. Não se deve comungar para viver isolado, com medo do
pecado.
Há uma íntima ligação entre a
Eucaristia e a Igreja. Não é possível viver em comunhão com Jesus na Eucaristia
sem viver em comunhão com a Igreja. Mas qual Igreja? A Igreja é Povo de Deus. Pela
Eucaristia, este Povo é chamado a se tornar instrumento de unidade e paz das
pessoas entre si e destas com Deus (cf. o cap. 17 da Lumen Gentium - constituição dogmática sobre a Igreja). Unidos à
Eucaristia, os que professam a fé na Igreja são chamados a ser instrumentos de
unidade e paz.
Ultimamente, tem surgido outro mal
na vida eclesial: Pessoas e grupos que banalizam a Eucaristia e deturpam o seu
sentido eclesial. Há também os que ousam criar, para si e para os outros,
concepções eclesiológicas incompatíveis com o Evangelho, com a Tradição e com o
Magistério da Igreja. Particularizam a Igreja, ferindo a sua universalidade. A
Igreja deixa de ser católica, para ser “minha Igreja”, “nossa Igreja”, em
detrimento da “Igreja dos outros”. O mesmo se faz com a Eucaristia: Alegam a
existência de um Jesus capaz de satisfazer os desejos pessoais e grupais.
Quando vista desta forma, perde-se a
sua dimensão vivencial. A Eucaristia passa é reduzida a objeto sagrado, que
cura doenças, que dá sorte, que é reservada a algumas categorias de pessoas,
que deve ser guardada em recipientes de ouro e prata, que serve para afastar
pragas e castigos, que sendo tocada afasta o mal e o diabo etc. Esse
reducionismo faz com que a Igreja não cresça no compromisso com os que mais sofrem,
e contribui para o esvaziamento da fé.
Os que possuem uma visão
reducionista da Eucaristia não compreenderam o que Jesus quis dizer ao afirmar
que é o pão vivo descido do céu. Quem
se alimenta deste pão precisa caminhar. Este pão confere força para agir em
conformidade com a vontade de Deus. É para fazer a vontade de Deus que o fiel
comunga, e esta vontade divina exige compromisso com os que sofrem. Se o fiel
comunga, mas vive na indiferença, entrou em comunhão com quem? É preciso adorar
Jesus na hóstia consagrada sem deixar de olhar nos olhos dos irmãos. Estes
olhos revelam o significado da comunhão eucarística, porque é um constante
apelo ao amor.
Em tempos de pandemia do
coronavírus, a comunhão eucarística leva o cristão a viver por causa de Jesus. Quem
o recebe como alimento permanece nele e vive por causa dele (cf. Jo 6,56-57). Toda
pessoa que vive por causa de Jesus, vive em íntima relação com o que ele viveu
e pregou: O amor. A Eucaristia torna as pessoas mais amorosas. Este é o efeito
natural deste alimento salutar. Já que não é possível aos católicos, neste
momento de pandemia, a participação de todos nas celebrações e procissões, na
preparação de tapetes nas ruas, nos momentos de adoração eucarística etc., é
importante que se reflita sobre o significado da Eucaristia na vida pessoal e
eclesial, tendo em vista a celebração vivencial deste sacramento.
Culto e vivência devem estar
interligados. O que Jesus deseja é a comunhão na vida dos irmãos. Não basta
somente comungar Jesus na hóstia consagrada. A celebração eucarística continua
após a bênção final e a despedida. Separar liturgia eucarística da vida
cotidiana é tornar sem efeito a comunhão com Jesus. A relação com Ele se dá na
relação Eucaristia-Igreja. Cada fiel é membro da Igreja, e como membro deve
comungar com os demais membros. A
Eucaristia faz a Igreja e, assim, cada fiel se alimenta dela para tornar-se
cada vez mais Igreja, cada vez mais Povo de Deus para a vida do mundo.
Tiago
de França
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