sexta-feira, 19 de junho de 2020

Do coração de pedra ao novo coração


“....porque sou manso e humilde de coração, e vós encontrareis descanso” (Mt 11,29).
            Na Bíblia, o coração é o centro da afetividade, da vontade, das motivações; revela o nosso ser interior. A celebração da solenidade do Sagrado Coração de Jesus não é uma mera celebração emotiva, mas a solene festa daquilo que Jesus é: Deus e homem verdadeiro, de coração manso e humilde. Vamos olhar para Jesus a partir do que nos fala o evangelista Mateus (cf. Mt 11,25-30), para que possamos sentir a necessidade da conversão do coração.
            Jesus louva ao Pai, a quem chama de Senhor do céu e da terra, por ter revelado a sua sabedoria não aos sábios e entendidos, mas aos pequeninos (v.25). Na época de Jesus, os mestres e sábios cometiam um pecado que causava sofrimento nos pequeninos: A opressão religiosa. Aproveitavam-se do conhecimento da lei para oprimir os que a ignoravam. Em muitas passagens dos evangelhos encontramos a soberba dos mestres da lei e fariseus. Estes eram os sábios e entendidos.
            Os poderosos do mundo e os “sabidos” de todas as épocas, geralmente desconhecem a sabedoria divina revelada no escândalo da cruz de Cristo. Isso ocorre porque onde há autossuficiência, não há espaço para Deus. Quando a pessoa passa a ser o centro da própria vida, então gira em torno de si mesma. Trata-se de um ensimesmamento doentio: A pessoa fica cheia de si mesma, comportando-se como se fosse uma espécie de divindade. Todo conhecimento que afasta a humildade que conduz a Deus é prejudicial.
            Tornar-se pequenino é reconhecer que se depende de Deus, pois Deus é o Senhor do céu e da terra. Os filhos de Deus dependem dele para viver com sentido. Pela fé, o sentido da vida está no Senhor do céu e da terra. Portanto, somente os pequeninos tem acesso à sabedoria divina, porque em sua pequenez e fragilidade reconhecem a grandeza, a bondade e a misericórdia de Deus. Os pequeninos possuem o novo coração, que brota do conhecimento da sabedoria divina. Os poderosos e “sabidos” possuem um coração petrificado pela sede de poder e pela vaidade.
            Jesus diz que a revelação da sabedoria divina aos pequeninos é o que agrada a Deus (v.26). Qualquer doutor em Teologia (área do conhecimento que se dedica ao estudo das coisas relacionadas a Deus) precisa ter a humildade para reconhecer que o conhecimento teológico, por si mesmo, não revela a sabedoria divina. Basta esse doutor se colocar na escuta dos pequeninos e pobres para descobrir os limites de sua teologia. Certamente, a teologia pode ser uma importante ferramenta para conhecer o ser e o agir de Deus, mas é na vida dos pequeninos que a sabedoria divina é encontrada. Cabe à teologia ir ao encontro desses pequeninos; do contrário, o conhecimento teológico se reduz a abstrações que nada revelam.
            Jesus diz também que o Pai revela o Filho, e este revela o Pai (v.27). Isso mostra que a sabedoria divina é revelada pelo Filho, que é o próprio Jesus. Portanto, sem ir a Jesus, o cristão não tem acesso ao Pai e Sua sabedoria. Entre o Pai e o Filho há uma forte relação, e nesta ocorre a necessária revelação daquilo que Jesus é: Deus e homem verdadeiro, de coração manso e humilde. Sem o Pai, o Filho não existiria, porque foi gerado pelo Pai. Sem o Filho, não conheceríamos o Pai, porque o Filho é a plenitude da revelação divina. O cristão é chamado por Jesus a mergulhar nessa relação amorosa: Vinde a mim...
            Jesus chama a ele todos os que estão cansados e fatigados sob o peso dos fardos. E o que promete? ... e eu vos darei descanso. Na época de Jesus eram muitas as pessoas cansadas e fatigadas: Os pecadores públicos, as mulheres, as crianças, os doentes, os possuídos pelos demônios, os leprosos, os pobres etc. Carregavam pesados fardos e estavam sob o jugo das diversas formas de exploração. Jesus oferece o seu jugo, que é suave, e seu fardo, que é leve (v.30). Ou seja, o que está oferecendo é a suavidade, a leveza, a paz, o alívio, o conforto, a esperança, a coragem, a segurança e a ternura de sua presença fiel.
            Nesses tempos difíceis de pandemia do coronavírus, as pessoas precisam experimentar o fardo e o jugo de Jesus, experiência de plena liberdade. Há tantas pessoas aflitas e desesperadas, atribuladas por causa dos pesados fardos que carregam: desemprego, depressão e outras doenças, fome, violência doméstica e social, morte de entes queridos, ameaças, corte de direitos etc. Todas as vítimas das inúmeras espécies de escravidão precisam saber que o Senhor do céu e da terra enviou seu Filho para libertar de todo mal, e que esta libertação começa a acontecer a partir do momento em que Jesus é acolhido no coração.
            Acolher Jesus para a conversão do coração significa abrir-se à possibilidade de deixar de ter um coração de pedra, insensível e fechado, para adquirir um novo coração, manso e humilde como o de Jesus. É necessário aprender com Jesus (v.29), abrindo-lhe o coração. Habitando no mais profundo do ser humano, Jesus transforma a pessoa em sal da terra e luz do mundo. Um coração aberto a Cristo é oportunidade feliz de encontro com Deus; encontro revelador da sabedoria divina.
            Hoje, o mundo precisa de pessoas de bom coração, capazes de amar sem medida, disponíveis e entregues ao serviço dos irmãos. Uma pessoa mansa e humilde faz muito bem a um mundo marcado pela agitação e pela prepotência. O mundo precisa de pessoas de coração indiviso, integradas e serenas, alegres e cheias do amor de Deus.
Os que aderem a Jesus são aqueles que se tornam mansos e humildes, sinais de esperança e de paz, promotores da justiça do Reino de Deus. Do contrário, podemos até celebrar a festa do Sagrado Coração de Jesus, mas sem esta abertura para Deus, tudo não passa de ritualismo vazio e infértil, que não agrada a Deus, porque os corações afastados do Coração de Jesus são corações duros e insensíveis, distantes de Deus e fechados ao seu amor. Que o coração de Jesus nos faça conhecer a ternura de Deus!

Tiago de França

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