domingo, 24 de maio de 2020

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O VÍDEO DA REUNIÃO MINISTERIAL


1. Expressar-se é um direito fundamental
A Constituição da República de 1988 nos assegura o direito à liberdade de expressão (CR/88, art. 5º, inc. IV). Na qualidade de cidadão, gosto de exercer este direito. Todo cidadão deve exercê-lo. Em tempos como os que estamos vivendo, não podemos nos omitir. Se os maus se manifestam, os verdadeiros cidadãos de bem não podem se omitir. Falo verdadeiros porque temos falsos cidadãos de bem. Inclusive, esta expressão "cidadão de bem" foi usada por péssimos cidadãos, gente que pratica o mal, que se apoderou da expressão para enganar os desprovidos de formação e informação.
Com muita paciência, consegui assistir ao vídeo da reunião ministerial de Bolsonaro com seus ministros. Não irei fazer uma análise minuciosa das falas, porque, se o fizesse, estas considerações se alongariam. Mas é preciso comentar e se indignar, porque na reunião estavam o presidente da República e Ministros de Estado, pessoas que recebem altos salários, pagos por cada brasileiro, para fazer o que andam fazendo. Gastam milhões de reais para se ocupar em não fazer nada!
2. A coragem de um ministro
É preciso elogiar a coragem do ministro Celso de Melo ao autorizar a publicação do vídeo da reunião. O nível da reunião revela o motivo de o presidente, inicialmente, ter se manifestado contrário à publicação. Falo de coragem porque o ministro foi pressionado para não autorizar a publicação. Recebeu pressão dos bolsonaristas, principalmente de militares, representados pelo general que ocupa a função de Ministro do Gabinete de Segurança Institucional, órgão responsável pela segurança do presidente, do vice-presidente e seus respectivos familiares. O decano do Supremo Tribunal Federal (STF) foi corajoso, e agiu com técnica e independência, como se espera de um Juiz da Corte Suprema.
3. O conteúdo das falas
O conteúdo das falas do presidente e dos ministros que participaram da reunião, especialmente os ministros do meio ambiente, da educação, da economia, da mulher e direitos humanos é vergonhoso e preocupante. Vergonhoso porque os palavrões e xingamentos usados pelo presidente e seus ministros é de causar vergonha aos cidadãos que prezam pelo respeito e pela boa conduta. Nunca na história política brasileira, um presidente da República se utilizou, sistematicamente, de expressões tão baixas.
O vídeo revela que o Brasil está, de fato, sem governo. A pandemia do coronavírus não foi assunto da reunião. O ministro da saúde falou rapidamente, sem apresentar nenhuma proposta para o problema. No centro da reunião estava o presidente, com seus palavrões e xingamentos, reclamando a falta de informação. Qualquer pessoa atenta ao que ele fala, percebe a reivindicação por informações sobre tudo, preferencialmente do andamento das atividades do Ministério da Justiça e da Polícia Federal. Ele deixou isso bem claro, e o motivo é público e notório. O ex-ministro da Justiça fez uma denúncia neste sentido, e aqui não quero tratar desta denúncia, pois estou discorrendo sobre o vídeo da reunião.
Trocar a "segurança" do Rio de Janeiro; mandar prender governadores, prefeitos e ministros do STF; "passar a boiada" no meio ambiente (flexibilizar as leis e a fiscalização); armar a população; vender o Banco do Brasil; não oferecer a "molezinha" (empréstimo do governo às empresas) a empresários que já quebraram; não se ocupar com empresas "pequenininhas" etc. foram assuntos da reunião. A quem interessam tais decisões?
4. Perguntas reveladoras e necessárias
Quando o presidente reclama da "segurança" do Rio de Janeiro, está pensando em quem? Quando o ministro do meio ambiente fala em "passar a boiada", está falando em nome de quem? A quem interessa armar a população? E a venda do Banco do Brasil, vai beneficiar a quem? E o desinteresse pelas empresas "pequenininhas", a quem afeta? Em nome de quais interesses mandar prender governadores, prefeitos e ministros do STF? Qualquer pessoa que use de bom senso percebe que o presidente e seus ministros não estão nem aí para a real situação do povo brasileiro.
5. A solução dos problemas do País e a índole dos personagens
Resolver os problemas do País cabe, em primeiro lugar, aos governantes eleitos. Quem se meteu em política tem a responsabilidade de trabalhar para resolver os problemas do País. Neste sentido, duas questões precisam ser consideradas: Os que foram eleitos, principalmente o presidente da República, tem capacidade e vontade política para resolver tais problemas? Há planos de governo para solucionar as crises política, econômica e pandêmica? O vídeo revelou que o governo não está preocupado com a situação nem tem projetos para solucionar as crises.
O vídeo também revelou a índole do presidente e seus ministros, que, claramente, não possuem boas intenções para com o Brasil. Ficou bem claro que se aproveitam do Estado para satisfazer os próprios interesses e os dos grupos aos quais pertencem e servem. O presidente e seus ministros são plenamente alinhados à elite econômica, que não se satisfaz somente com o dinheiro, mas quer também dominar o Estado. Trata-se do pior tipo de gente que existe, porque não se compadece do sofrimento alheio. É o tipo que lucra em cima da desgraça dos outros.
6. Deus, pátria e família
Durante a reunião, o presidente fez referência a Deus, à pátria e à família, ao dizer que quem fosse contrário ao seu estilo de "governar" estava no governo errado. No meio dos palavrões e xingamentos aparece a palavra Deus. Gostaria de poder olhar nos olhos dos católicos e protestantes que até hoje são fãs e defensores do presidente, para fazer a seguinte pergunta: Vocês acham que esta forma de proceder está de acordo com a vontade de Deus? Durante e após a campanha eleitoral chegaram a dizer que o presidente seria um "enviado de Deus"! De acordo com as Escrituras Sagradas, um enviado de Deus procede de forma chula, irresponsável e autoritária?...
A estes mesmos fãs e defensores do presidente, faria outra indagação: Vocês seriam capazes de assistir ao vídeo da reunião, juntamente com vossos filhos? A forma de proceder do presidente e seus ministros envergonha a família tradicional brasileira que ele tanto defende. O respeito e a tolerância são valores que devem ser promovidos pelas famílias e pela sociedade. Parece que o presidente não teve acesso a uma educação familiar que o educasse nestes valores.
De que pátria fala o presidente? Um verdadeiro patriota pensa no povo brasileiro, e não somente em si mesmo, na sua família e amigos. O presidente só fala e age em prol de si, de seus parentes e amigos. Seu governo é o governo de sua família e amigos. Não se conhece nenhum projeto que vise a promoção do povo brasileiro. Pelo contrário, durante a pandemia do coronavírus, seu comportamento põe em risco a vida das pessoas, porque as influencia, negativamente. As autoridades sanitárias recomendam o cuidado, e o presidente instiga ao risco. Isto é muito vergonhoso.
7. E agora, o que virá?
Por fim, cabe-nos uma breve assertiva a respeito do que virá após esta bombástica publicação do vídeo da reunião. Considerando que o Procurador-Geral da República, que, segundo contam, quer ser Ministro do Supremo Tribunal Federal, foi contrário à publicação do vídeo na íntegra, certamente não denunciará o presidente da República. Talvez o ministro da educação seja o bode expiatório da vez, por ter sugerido a prisão dos ministros do STF e, assim, o inquérito será encerrado. A lei diz que cabe ao Procurador-Geral denunciar o presidente da República. Se isso não ocorrer, praticamente tudo ficará como está. Se ficar constatado o cometimento de crime, e se não houver denúncia, reinará a impunidade.
A pandemia do coronavírus está fazendo mal ao Brasil e ao mundo, mas o presidente, ao invés de somar esforços para ajudar a população a resolver o problema, está tirando proveito político da situação. Como o ministro da economia, Paulo Guedes, é incapaz de tirar o País da crise econômica que tende a se agravar, o presidente dirá, nas eleições de 2022, que vai precisar de mais um mandato para salvar o Brasil; e, infelizmente, os bolsonaristas não arrependidos acreditarão nesta falsa promessa e votarão nele, esquecendo-se de quatro anos de mandato marcados por palavrões, xingamentos, exposição midiática, autoritarismo, corte de direitos, corrupção, e total ausência de projetos.
Tempos sombrios. Até o momento está sendo bom para eles, não para o povo, que padece, jogado à própria sorte. Torçamos para que não aconteça coisa pior até o próximo pleito eleitoral, porque a democracia brasileira é jovem e frágil, e está encontrando dificuldades para suportar os duros golpes que vem sofrendo. Nestes dias, os militares estão dando péssimos sinais, e a história está aí para nos contar do que são capazes.

Tiago de França

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