domingo, 31 de maio de 2020

Pentecostes: Viver segundo o Espírito


“Recebei o Espírito Santo” (Jo 20,22).
            Neste dia de Pentecostes, plenitude da Páscoa, o que dizer sobre o Espírito Santo? À luz das Escrituras, com ênfase no texto bíblico da liturgia da Igreja católica para este Domingo (cf. Jo 20,19-23), ousarei algumas afirmações sobre o Espírito Santo.
            O Espírito é liberdade. O Espírito é livre e libertador. A sua missão é libertar a humanidade do egoísmo que sempre quis dominá-la. Este egoísmo trava as relações, gera indiferença e morte. Os que se deixam guiar pelo Espírito já não se encontram sob o jugo do egoísmo, mas são livres para permanecer no caminho que conduz aos outros. No encontro com os outros, o mandamento de Jesus é vivido, na força do Espírito.
            Considerando que o Espírito é livre, então ninguém o domina, pois está em todos e em tudo. Não há necessidade que alguém ou alguma instituição queira dominá-lo. Por isso, nenhuma pessoa ou instituição dita ao Espírito a sua missão, pois ele sopra onde e quando quer. A sua ação, revelada desde o Gênesis, indica a sua dinâmica: Surpreende sempre, porque age fora dos esquemas humanos. Não há inteligência humana que consiga conceituar o seu ser e seu agir.
            O Espírito conduz à missão. Desde o início, os cristãos perceberam que o Espírito é o guia da missão. Sem ele, esta não existe. Portanto, fora do Espírito a missão perde o seu sentido, a sua razão de ser. Sem ser guiado pelo Espírito, o cristão deixa de ser missionário e se torna protagonista de si mesmo, alguém entregue à vaidade, centrado na busca de seus interesses pessoais e institucionais.
            Assim, é possível que muita gente que pensa ser missionário, na verdade, é um buscador do sucesso e do êxito pessoal. Às vezes, em nome do próprio Espírito, induz os outros ao engano e à confusão. Este mesmo Espírito revela que o missionário que foi enviado por Jesus e que permanece sob a ação do Espírito é aquela pessoa que age como Jesus: Buscando o Reino de Deus e a sua justiça. É para a busca deste Reino que o Espírito conduz o missionário. Este não procura outra coisa senão o Reino de Deus.
            O Espírito promove a unidade e concede a paz. Ao longo da história, as pessoas sempre tiveram dificuldade de lidar com a pluralidade. O diferente sempre foi visto como um incômodo. Daí decorre muitos males: Inveja, competitividade, deslealdade, entre outros que constituem a cultura da eliminação do outro. Saber conviver e tolerar a diversidade são graças do Espírito Santo.
            No seio das comunidades cristãs, principalmente na Igreja católica, devido à sua constituição hierárquica, as pessoas tendem a pensar que o Espírito promove a uniformidade: Todos devem agir conforme uma única orientação, como se a vida fosse linear e, portanto, uniforme. Hoje, pensar dessa forma, é pecar contra o Espírito Santo. A vida humana e de toda a criação é plural. Basta olhar para a natureza, para enxergar a beleza da biodiversidade.
            A humanidade é formada pelo conjunto da diversidade das culturas, línguas, religiões, ritos, preferências políticas e ideológicas etc. As sociedades se organizam de forma diversa. São inúmeras as formas de ser e de pensar. Em todas estas coisas, o cristão enxerga a ação do Espírito, gerador da vida na multiplicidade de suas manifestações. Nenhuma destas manifestações aparece como superior às demais. Todas são igualmente importantes e belas. Ninguém suportaria o tédio de um mundo uniforme. É na pluralidade que tudo pode ser enriquecido.
            Quando o concílio Vaticano II analisou a história da Igreja católica no mundo, voltando-se para a riqueza dos ensinamentos promovidos e cultivados nas comunidades cristãs primitivas, logo se deu conta de que é necessário reconhecer e promover a diversidade de ideias e formas religiosas de ser. A partir daí se percebeu mais nitidamente a diversidade das visões de mundo e formas de ser presentes na própria Igreja católica e no mundo.
Em cada lugar, a Igreja possui um rosto próprio, mesmo obedecendo, liturgicamente, a ritos pré-estabelecidos. O mesmo se pode dizer da vivência das doutrinas: Há uma unificação doutrinal e uma diversidade de formas de observar a mesma doutrina. Um italiano vive a realidade eucarística de forma totalmente diferente de um africano. Os contextos são diversos, bem como são diferentes as vivências eucarísticas.
O Espírito concede o dom da fé e mantém o discípulo no caminho de Jesus. A fé é dom de Deus concedido no Espírito. Sem a assistência do Espírito a fé não sobrevive. Mesmo crendo em Jesus, o cristão permanece vivendo neste mundo, marcado por tentações e fragilidades. Mesmo guiado pelo Espírito, permanece exposto ao mal. Por isso, o cristão precisa entregar-se cada vez mais à ação do Espírito, para, desse modo, tornar-se mais forte nas lutas internas que trava consigo mesmo, superando a fragilidade de seu ser pecador.
As Escrituras revelam que esta fragilidade revelada nas pessoas não é motivo para que o Espírito se afaste. Pelo contrário, porque são frágeis, podem contar com a Sua força. Este Espírito é a força dos fracos. Ele permanece fiel, apesar das infidelidades humanas. Todas as vezes que o Espírito é deixado de lado, ou esquecido, as pessoas são dominadas por seus instintos egoístas e se tornam capazes de toda espécie de mal. Na verdade, este Espírito está dentro das pessoas, e desde dentro ele fala, sonda, fortalece, orienta, dá força, revigora, ilumina, conduz... Basta silenciar para escutá-lo e se deixar conduzir.
Também a Igreja se equivocou muito quando deixou o Espírito de lado. Os descaminhos da história da Igreja católica não são frutos do Espírito, mas refletem a ausência de escuta e de obediência no Espírito. Muitas vezes, a instituição eclesiástica buscou a satisfação de seus interesses, vivendo, desse modo, não segundo o Espírito, mas, como diz o Papa Francisco, a Igreja se deixou dominar pelo “mundanismo espiritual”. Este não é fruto do Espírito, mas falsa aparência de vida espiritual.
Para se livrar deste terrível mal, que consiste na aparência de uma fé que não existe, é necessário se colocar no caminho de Jesus. O teólogo José Comblin dizia que ter fé é colocar-se no caminho de Jesus e nele perseverar. O Espírito é quem coloca e mantém o discípulo neste caminho. Sem o Espírito é impossível perseverar, pois fora dele a pessoa está entregue às suas próprias fraquezas. Na vida cristã, o seguimento depende do Espírito, pois nele o cristão pode afirmar, em sua vida, o senhorio de Jesus para a glória de Deus Pai (cf. 1 Cor 12,3b).
Nestes tempos difíceis, marcados pela intolerância e pelas crises econômica, política e ecológica, o caminho de Jesus permanece aberto e desafiador. É o caminho que conduz ao Pai; caminho que não se encontra fora do mundo, mas totalmente interligado com as desafiantes realidades da vida pós-moderna. Todo aquele que escuta o Espírito passa a fazer parte deste caminho. Neste, o cristão permanece com os outros, vivendo o amor que tudo transforma, santifica e salva.
Neste caminho, o Espírito vai conduzindo o discípulo de Cristo, transformando-o naquilo que Deus quer. É caminho de pacificação e integração, de compromisso e de amizade, de alegria e encontro, de superação do medo e da falta de sentido. No Espírito, o cristão é capaz de cumprir a vontade de Deus, para encontrar-se, definitivamente, nele e, assim, ser salvo. Esta é a paz e a perfeita alegria; festa sem fim. É o Reino se concretizando, desde agora, rumo à plenitude. Viver segundo o Espírito é experimentar, já neste mundo, a vida de ressuscitados, antecipação da gloriosa da condição dos filhos de Deus na pátria futura.
Tiago de França

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